29 dezembro 2008

The Chronicles of Narnia (The Magician's Nephew)

__"Now, sir" said the Bulldog in his business-like way, "are you an animal, vegetable, or mineral?" That was what it really said; but all Uncle Andrew heard was "Gr-r-r-arrh-ow!"

- C. S. Lewis

25 dezembro 2008

The Graveyard Book

__The man Jack met them halfway down the stairs. Mr. Dandy grinned at him, without any humor but with perfect teeth. "Hello, Jack Frost," he said. "I thought you had the boy."
__"I did," said the man Jack. "He got away."
__"Again?" Jack Dandy's smile grew wider and chillier and even more perfect. "Once is a mistake, Jack. Twice is a disaster."
__"We'll get him," said the man Jack. "This ends tonight."
__"It had better," said Mr. Dandy.
__"He'll be in the graveyard," said the man Jack. The three men hurried down the stairs.
__The man Jack sniffed the air. He had the scent of the boy in his nostrils, a prickle at the nape of his neck. He felt like all this had happened years before. He paused, pulled on his long black coat, which had hung in the front hall, incongruous beside Mr. Frost's tweed jacket and fawn mackintosh.

- Neil Gaiman, The Graveyard Book

22 dezembro 2008

Shrimps..?

I wonder why isn't an insult to say that someone has a head of shrimp; 'cause... y'know, have the skull filled with shit isn't a pleasant thing to hear, at all.

15 dezembro 2008

Invention II in C minor - Johann S. Bach.


Eram dois. Ora era ela ronronando ao pestanejar das asas e ele cobiçando-a ao vê-la do chão - a boca longe, pregada no céu, num riso zombeteiro.
Eram dois. Ora ele pousando em seu úmido focinho, e ela fechando os olhos.
Era ela na terra e ele no ar.
Era ela no ar e ele na terra.
Eram os dois na terra. Um sobre a planta, outro no parapeito da janela.
Eram os dois no ar. Um em pleno salto, outro no bafejar da brisa.
Eram sempre dois, nunca um. Ininterruptos, interligados, independentes, inconfundíveis.
Eram os dois invenções;
eram o muxoxo morno e o murmúrio melífluo.
Mas no derradeiro fim, unidos. ternamente.

13 dezembro 2008

Relances - II

__Era dia; um qualquer, com sol, com nuvens, vidas e todas aquelas coisas que se têm em um dia. O clima era diáfano, de luz irradiante, e o tempo seguia, com inadiáveis afazeres cotidianos. Neste dia, neste momento, havia a rapariga dentro de uma casa - que, diga-se de passagem, não era sua. Seu nome, segundo constavam os arquivos, era Malicia Darktan. Loura, magrinha, 'desaparecida' desde o seus seqüestradores foram assassinados, com... adivinha?
__Irène sorriu. Era uma filhote peculiar.

__Malicia estava na sala, entretida com um quadro surrealista de gatos quando ouviu sirenes se aproximando. Ela se mudara há pouco tempo para aquela casa, e não fizera nada de errado! Tudo havia saído exatamente como das outras vezes, e entretanto eles estavam ali. Seus poros da pele arrepiaram, seu desespero a(s)cendeu. A sirene espetava sua audição e absorvia seu cérebro num oceano de insensatez.
__Os fundos; pensou. E rumou.

__As sirenes chegavam à casa. 'Oh geez...we brought company?..' Irène praguejou e olhou de esguelha para o companheiro, indicando o jardim da rua com a cabeça. Ele assentiu e rumou para os policiais com a foice reluzindo ao sol; a jovem se dirigiu para dentro.

__'Hey'; uma figura entrava pela porta dos fundos. Malicia recuou, com o coração pulsando mais na boca do que entre os pulmões. 'Hey heey, take it easy folk, come closer, I've to take you out of here' dizia a silhueta, entrando com uma pressa mal dissimulada. Darktan retrocedeu, vendo uma jovem mulher trajando um longo poncho verde, adornado por uma cascata de cabelos castanhos. Uma das mãos estava estendida na sua direção, mas a outra mantinha-se convictamente imersa na lã.
__Ouviram gritos.

__Louis deu a volta na casa, saindo pela lateral. Os policiais o viram de imediato e logo começou o alvoroço, ele suspirou. Quatro bolas de fogo se materializaram à sua volta, e em seguida começaram os gritos.

__Malicia assustou-se com o ruído do lado de fora. Sem dar ouvidos à apressada forasteira, ela subiu as escadas correndo. No corredor dos quartos, sentiu uma mão segurar-lhe o ombro com firmeza e gritou de susto. 'Come with me, ok? We've no time' Darktan parou, emudeceu e ficou olhando a moça, que interpretou como um tênue (as)sentimento. Ela soltou então seu ombro, afastou-se alguns passos com extrema rapidez e puxou de dentro do poncho um pedaço generoso de papel alumínio. Malicia entreviu uma mão deformada segurando o rolo laminado.
__Parecia uma... garra?

__Três policiais correram, em pânico. Outros falavam no comunicador. O resto apontava para ele e o cercava, com cautela. Pena que ele não podia fazer churrasquinho.

__Esticou o rasgo espelhado e com um movimento desajeitado e brusco, deu uma (patada?) no papel. Darktan olhou com um ar nauseado: era como uma grande pata de lobo...

__Aproximava-se um helicóptero, e Louis discerniu outro escalão de gente encarrapitado nele.
__'Oh, shit'.

__Aquele pedaço de papel alumínio começou a irradiar algo semelhante a um flash prolongado. Irène afastou o braço da fonte de luz e fitou a filhote; que não se mexeu. Tinha um helicóptero lá fora.

__Louis desandou em desabalada corrida para os fundos da casa. Uma bala errante acertou-lhe na altura dos rins, rendendo-lhe um rosnado nada amigável.

__A moça ouviu o tiro e exasperou-se. Apanhou o pulso da filhote e arrastou-a para a luz, para a Umbra.

__Louis parou derrapando na frente da janela dos fundos, enquanto sentia a pele se reintegrar. Ergueu a mão e arranhou a superfície vítrea com violência. Sem hesitar, pulou para dentro do centro de ofuscação.

__Mal haviam observado o ambiente distorcido, Malicia começou a sentir uma sensação adormecer-lhe a consciência. Como se dos pulmões subisse uma ardência avassaladora, ou como se um lobo subisse-lhe pela garganta.
__Irène sentiu o pulso da filhote engrossar sobre sua mão, e um grunhido gutural bafejar-lhe a nuca. Foi aí que correu.

__Louis pulou de qualquer jeito para dentro do rasgo e viu, à poucos passos de distância, uma loura garota encurvar-se sobre a própria altura, e crescer. Crescer. Crescer. Um poncho balouçante já sumia ao longe, no ar distorcido. Ele correu, para longe.

08 dezembro 2008

Can She Excuse My Wrongs (by John Dowland)

'Can she excuse my wrongs with virtues cloak?'
Eu mirava sua face transmutar-se no teto envolto em breu, seus olhos confiantes fitavam o público, sua voz transbordava em meus ouvidos.
'Shall I call her good when she proves unkind?'
O primeiro verso ainda ecoava nas curvas do meu labirinto, meu cérebro ainda ruminava a pergunta: can she excuse my wrongs? Estendi minha mão para fora da cama e peguei o celular. O rosto dela desaparecera nas vilosidades do lençol, assim que a luz do aparelho acionado retraiu minha pupila dolorosamente.
'Are those clear fires which vanish into smoke?'
Sem novas mensagens. Probably she can not excuse my wrongs, after all. She had vanished into smoke... Larguei o telefone no chão e virei-me para o outro lado.
'Must I praise the leaves where no fruit I find?'
Ao ouvir este excerto meus músculos enrijeceram, como se ela os dissesse com aquele ar cínico estampado no rosto e a voz fluindo como m/fel. ('No, no, where shadows do for bodies stand, thou may'st be abus'd if thy sight be dim?') Tateei o rádio em busca do botão de stop, mas a voz dela ainda inundava o meu breu, meu escuro, minha consciência.
'Cold love is like two words written on sand, or two bubbles which on the water swim'
Ela não parava, não me deixava contrargumentá-la, não me dava tempo suficiente para tomar ar entre aquelas pausas... Ah, o stop. O silêncio escorreu das caixas de som.
E eu, que deveria estar mais calmo, repetia em minha cabeça o primeiro verso, o primeiro trecho, tão renascentista, mas tão infinitamente perturbador, para mim.
She won't excuse my wrongs, my cold love, my "fruitlessness"... well, me. Cutuquei os botões do rádio e, com uma série já bem coordenada de movimentos, liguei a rádio e ouvi Raul Seixas se esgoelando em um 'não há nada neste mundo que eu não saiba demais'. Sorri, me acomodei e inexplicavelmente dormi.

29 novembro 2008

American Pie

A long, long time ago...
I can still remember
How that music used to make me smile.
And I knew if I had my chance
That I could make those people dance
And, maybe, they'd be happy for a while.

But february made me shiver
With every paper I'd deliver.
Bad news on the doorstep;
I couldn't take one more step.

I can't remember if I cried
When I read about his widowed bride,
But something touched me deep inside
The day the music died.

So bye-bye, miss american pie.
Drove my chevy to the levee,
But the levee was dry.
And them good old boys were drinkin' whiskey and rye
Singin', "this'll be the day that I die.
"this'll be the day that I die."

Did you write the book of love,
And do you have faith in God above,
If the Bible tells you so?
Do you believe in rock 'n roll,
Can music save your mortal soul,
And can you teach me how to dance real slow?

Well, I know that you're in love with him
`cause I saw you dancin' in the gym.
You both kicked off your shoes.
Man, I dig those rhythm and blues.

I was a lonely teenage broncin' buck
With a pink carnation and a pickup truck,
But I knew I was out of luck
The day the music died.

I started singin',
"bye-bye, miss american pie."
Drove my chevy to the levee,
But the levee was dry.
Them good old boys were drinkin' whiskey and rye
And singin', "this'll be the day that I die.
"this'll be the day that I die."

Now for ten years we've been on our own
And moss grows fat on a rollin' stone,
But that's not how it used to be.
When the jester sang for the king and queen,
In a coat he borrowed from james dean
And a voice that came from you and me,

Oh, and while the king was looking down,
The jester stole his thorny crown.
The courtroom was adjourned;
No verdict was returned.
And while Lenin read a book of Marx,
The quartet practiced in the park,
And we sang dirges in the dark
The day the music died.

We were singing,
"bye-bye, miss american pie."
Drove my chevy to the levee,
But the levee was dry.
Them good old boys were drinkin' whiskey and rye
And singin', "this'll be the day that I die.
"this'll be the day that I die."

Helter skelter in a summer swelter.
The birds flew off with a fallout shelter,
Eight miles high and falling fast.
It landed foul on the grass.
The players tried for a forward pass,
With the jester on the sidelines in a cast.

Now the half-time air was sweet perfume
While the sergeants played a marching tune.
We all got up to dance,
Oh, but we never got the chance!
`cause the players tried to take the field;
The marching band refused to yield.
Do you recall what was revealed
The day the music died?

We started singing,
"bye-bye, miss american pie."
Drove my chevy to the levee,
But the levee was dry.
Them good old boys were drinkin' whiskey and rye
And singin', "this'll be the day that I die.
"this'll be the day that I die."

Oh, and there we were all in one place,
A generation lost in space
With no time left to start again.
So come on: jack be nimble, jack be quick!
Jack flash sat on a candlestick
Cause fire is the devil's only friend.

Oh, and as I watched him on the stage
My hands were clenched in fists of rage.
No angel born in hell
Could break that satan's spell.
And as the flames climbed high into the night
To light the sacrificial rite,
I saw satan laughing with delight
The day the music died

He was singing,
"bye-bye, miss american pie."
Drove my chevy to the levee,
But the levee was dry.
Them good old boys were drinkin' whiskey and rye
And singin', "this'll be the day that I die.
"this'll be the day that I die."

I met a girl who sang the blues
And I asked her for some happy news,
But she just smiled and turned away.
I went down to the sacred store
Where I'd heard the music years before,
But the man there said the music wouldn't play.

And in the streets: the children screamed,
The lovers cried, and the poets dreamed.
But not a word was spoken;
The church bells all were broken.
And the three men I admire most:
The father, son, and the holy ghost,
They caught the last train for the coast
The day the music died.

And they were singing,
"bye-bye, miss american pie."
Drove my chevy to the levee,
But the levee was dry.
And them good old boys were drinkin' whiskey and rye
Singin', "this'll be the day that I die.
"this'll be the day that I die."

They were singing,
"bye-bye, miss american pie."
Drove my chevy to the levee,
But the levee was dry.
Them good old boys were drinkin' whiskey and rye
Singin', "this'll be the day that I die."

Don McLean

"Everyday; it's getting closer, going faster than a rollercoaster..."


Like a huuuge rollercoaster, I'm in the same rail. As ever, maybe.

19 novembro 2008

"Lava a roupa todo dia... qu'alegria..."

Barulho de porta fechando. Suspiro de desalívio. Uma mulher se aproxima. Há uma enorme confusão de panelas pratos talheres e gordura. Todas as manifestações de gordura imagináveis. Gordura flutuando, gordura grudada, gordura embasbacada, gordura gordura gordura. Ela olha a pia. Exala um ar profissional. Apanha a chaleira em cima do fogão e enche d'água. Acende a boca de fogo e afasta-se. Abre a janela, volta.

O bule assovia. A mão apanha-o e derrama a água chiando nas pilhas incomensuráveis (que exagero, é só louça suja). Senta e espera. Levanta, apanha a esponja, enche-a de detergente e começa. Esfrega gira larga pega esfrega gira esfrega. A pilha vai mudando de posição, ordena-se, espalha-se. O trabalho é automático, ela ouve o filho ouvir música, o cão latindo, a vizinha gritando, o ônibus passando. A vida passando também e ela ali, tirando toda aquela gordura. Abre a torneira; a água corre, arrasta a comida pro ralo as bolhas a gordura. Fecha a torneira; apanha o pano. Enxuga gira enxuga enxuga cutuca sujeira esfrega põe na mesa. Repetida e infindavelmente. O cão vai volta e vai pela cozinha; espera a comida. A mulher larga o pano na cadeira e abre o armário debaixo da pia. Tira de lá um pote cheio d'água, despeja-o na pia e enfia de volta. Pega as panelas e coloca-as em volta do pote. Os pratos coloca no armário acima da pia. Os talheres vão para uma gaveta.

Louça derrocada: próximo passo. Sai pela porta da cozinha. Apanha uma vassoura e uma pá. Enxota o cão e vai para a sala.

15 novembro 2008

Composition #3 Inquisitor's Guide

In these last months, I've been receiving a lot of letters from my old colleagues from Rome, asking for help to tame a bunch of young priests, who don't seem to know how to deal with heretics. I've been retired since 1658, but my old friend Giuseppe Medici compelled me to write this short article of how to be a competent inquisitor.

At first, a good inquisitor must be cruel and be proud of it. This priest should let the heretic one or two days without eating properly (just some water and moldy breads) and sleep. It would be good if the psychological torture, which come before the physical one, were based in some research. About the last one, inquisitors have to be used to a lot of blood and gore; and it's interesting to be a litttle deaf: the cries aren't lovely at all.

Newcomers are used to making unbelievable mistakes. For example, inquisitor must not show mercy, and can't be easily frightened as well. It's not wise to stay close to the heretics, even if they're chained. And, finally, in any case the inquisitor should talk about yourself, these devils are very keen.

So, here we have some basic advice of how be a satisfying inquisitor. If you, newcomers, follow this humble guide, you shall be successful on your mission, given by God

God bless all of you.

by Francesco Michiavello

12 novembro 2008

Fogo.

Parecia vir de todos os lugares, assim como parecia vir de lugar nenhum. O calor sufocante fazia-o liberar o ar em arfadas que aguilhoavam suas costelas e fazia sua cabeça girar. Deve ser o inferno, pensou, e seus olhos estavam fechados com força, como se fizesse alguma diferença abri-los ou não. Quando deu-se conta disso quase sorriu, uma fagulha de racionalidade em meio àquele oceano de chamas que vinham de todos os lados. Abriu-os; estava tudo escuro, como era de se esperar de um cego. A fumaça entrava por entre os poros da pele por asfixirrespiração cutânea, expulsando todo o oxigênio escondido nas vilosidades de seu corpo para que este colaborasse com a combustão, do lado de fora. Sacudiu um braço em frente ao rosto para tentar afastar a massa de monodióxidos de carbonos, mas uma língua invisível açoitou seu antebraço, provocando uma ardência terrível. Urrou pela infeliz tentativa de acalmar seu corpo que ardia por oxigênio, expulsando o pouco que restava em seus pulmões por definitivo. Deu um passo para trás, para tentar desvencilhar-se da labareda que consumia seu braço, mas sentiu uma segunda em seu calcanhar, agarrando sua tenra carne com pulsante cadência. Já não tinha ar para expelir, já não podia respirar, seus ignóbeis olhos se recusavam a ver daonde vinham as dançantes chibatas etéreas, seu cérebro entrara em estado de pânico. Como diria Castro Alves, estava sem ar, sem luz, sem razão. Num arroubo de estertoras forças, correu cegamente pelo fogo que lhe consumia, enroscando em panos em chamas que lhe barravam o caminho e enroscavam-se em sua pele já quase inexistente, até que enfim chocou-se com uma parede, irradiadora de um calor mais impactante e ordenado, quase palpável; cambaleando, como um boneco que já não tem mais corda, tombou no chão - que lhe parecia então um fluido balouçante como o magma - e ficou ali, a servir de alimento para a fogueira, não restando no fim, nada mais que cinzas e um par de olhos sem pupila (sem contar o cheiro agradabilíssimo de carne queimada).

06 novembro 2008

O Caçador de Andróides

.

"...Isidore entrou na sala e desligou a TV.

__Silêncio, que saltou das obras de madeira e das paredes o sufocou com um terrível e total poder, como se gerado por uma imensa usina motriz. Subia do chão, do carpete coçado que ia de parede a parede, soltava-se dos eletrodomésticos quebrados e semiquebrados da cozinha, as máquinas mortas da cozinha, as máquinas mortas que nem uma única vez haviam funcionado desde que estava ali. Escorria do poste de iluminação inútil da sala de estar, misturando-se com a vazia e muda descida de si mesmo do teto manchado por moscas. Conseguia, na verdade, emergir de todos os objetos dentro de seu campo de visão, como se ele - o silêncio - quisesse suplantar todas as coisas tangíveis. Daí assaltava não só seus ouvidos, mas também seus olhos. Ao lado do aparelho apagado de TV, experimentou-o como se fosse visível e, à sua própria maneira, vivo. Vivo! Antes, sentira com freqüência a sua austera aproximação; quando chegava, estourava sem sutileza, evidentemente incapaz de esperar. O silêncio do mundo não podia controlar mais sua cobiça. Não mais. Não, quando virtualmente vencera.

__(...) Mas, por esta altura, claro, ele mesmo estaria morto, outro fato interessante a prever, pensou, enquanto permanecia ali sozinho na sala de estar abandonada, apenas com o silêncio do mundo, um silêncio sem pulmões, que a tudo penetrava, irresistível."
.

Philip K. Dick

27 outubro 2008

Olha Maria...

Olha aquela garota lá. É, aquela mesma, a de cabelos fofos, bem parecida comigo, um tantinho mais nova, mas bem pouco. Viu? Ótimo. Pois é, vamos apelidá-la de Maria.
Ela lê muito, sabe... também estuda muito, até demais. Gosta muito de Artes, mas não larga as Exatas por causa disso. Não, meu caro, não sou eu; parece né? Eu sei...
Sabe o que aconteceu com Maria? Ela está apaixonada, ou pelo menos estava, por alguém que mal conversa, ela está (chegue mais perto, isso é meio pessoal) apaixonada por um estranho. Esse ser não tem pretendentes, não tem problemas (aparentemente...), exceto por se mostrar um introvertido convicto. Ecco, io sò che ricorderia di quello ragazzo anche di quella situazione dell'anno scorso. Mas não é a mesma coisa, ela está indecisa sobre a ambigüidade dos atos de seu afeto, não desolada pela impossibilidade. Está bem, fui uma covarde de não me pronunciar, de me manter de cabeça abaixada e olhos marejados enquanto o tempo passava; mas olha a Maria, ela está se 'desapaixonando' do mesmo jeito que fiz: da forma mais amarga e medrosa. Ela está encolhida no canto, com o imaginário rabo fazendo uma perfeita espiral entre as pernas. Ahn..? Ah, d'accordo, io sarò meno rude con lei. Mas me deixa frustrada ver algo se repetir tão ridiculamente. Esse sentimento (na falta de uma palavra melhor) de Maria seria tão frágil a ponto de sucumbir ao pavor por receber um 'não'? Se for, Maria, admita a si mesma, causará menos dor e te tomará menos tempo.
(Corre, Maria
Que a vida não espera
É uma primavera
Não podes perder)
Mas se pensas que isso que lhe aparvalha o ritmo da vida não é tão ignóbil, arrisque e quem sabe, petiscará. Ficar de jejum te deixará com uma ligeira dor, mas bilhões de pessoas existem, uma delas irá te 'apetecer'. Não deixe-nos a fitar o des-enredo do ano passado, mudemos qualquer coisa.
Por favor, não corra o risco de ser o objeto deste trecho.
"...Anda, Maria
Pois eu só teria
A minha agonia
Pra te oferecer"

25 outubro 2008

Ensaio sobre a Cegueira

"(...) provavelmente ninguém o terá notado até hoje, como são absolutamente terríveis os gritos dos cegos, parecem eles que estão a gritar sem saberem porquê, queremos dizer-lhes que se calem e logo acabamos nós a gritar também, só nos falta sermos cegos, mas o dia lá virá."

José Saramago

19 outubro 2008

Somewhat.

I saw you, sitting in a dead-tree
Listening the wind flow beneath us
Waiting for something about something

So I remembered that afternoon on the campus
When we're stretched on the grass, whispering
anything about an ulgy bee.

I wish I could see the better path
as clearly as I solve some math equations
that I know, we both like.

But actually, my dear
live the day you'll strike back
all the stupid things that I did to you
is something that I really fear.

So... hey folk, here I am!
Wheeling in the middle of the wall
Trying to skip this fool jam.

17 outubro 2008

Cookies.

Hoje desmenti (por conta própria) toda aquela algazarra em volta do dito popular que diz que o sentimento do cozinheiro na hora de preparar o alimento é essencial para ele sair bom. Não vou dizer que faz tempo desde a última vez que eu fiquei 'emputecida' desse jeito, porque seria uma hipérbole, mas hoje estou especialmente incomodada (que eufemismo...).
Quantas figuras de linguagem. Seja como for, minha raiva era tão grande há algumas horas atrás - raiva de mim, dos outros, das situações - que eu, nessa minha avalanche confusa de sentimentos agressivos, percebi uma ponta de apreensão quanto à qualidade dos cookies que estavam sendo produzidos. A massa de fato saiu diferente do que costuma sair, com um gosto meio farinhento. E quando essa indignação somava-se ao aglomerado de insatisfações, saiu a primeira fornada (que acabei queimando um pouco), e saiu bom. Assim, não pior do que a média razoável, mas abaixo do patamar que eu esperaria de mim algum outro dia.
Mas, por hoje ser hoje, tá bom vai.
Comamos.

12 outubro 2008

Conjugação

Eu falo
tu ouves
ele cala.

Eu procuro
tu indagas
ele esconde.

Eu planto
tu adubas
ele colhe.

Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.

Eu defendo
tu combates
ele entrega.

Eu canto
tu calas
ele vaia.

Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.

Affonso Romano de Sant'Anna (II)

03 outubro 2008

Composition #2

Many years have been gone since that fatidic afternoon. At first, I wasn't dead yet. I lived in Mosoonee those days, in a comfortable house at the suburbs, next to a national park. I was 13 years old and still had lessons at elementary school. Mosoonee, as everybody knows, is a tiny country city, so I used to walk by myself to school, every single day, even if it was snowing (of course, if the day wouldn't have been canceled).

It was the beginning of the spring; the snow had melted recently and I was coming back from school with some friends; it was sunset. I was laughing about some stupid joke that Mike told us when we turned the block and saw a skinny wolf sniffing the air. I stopped my laugh suddenly, but that sound echoed through the space. The wolf looked at us, the mouth half-opened revealing his teeth. It began to walk in our direction. My friends and I were terribly frightened, so when it roared we run away, each one to a random direction. I had so much despair that I couldn't think about where I was going. The starving wolf, for fate or something like that, followed me. When I realized this fact, I shouted between the gaps of my breath "Woooolf!... Wooolf!...". My feet took me to my favorite place: the surrounds of the national park. I was getting more and more slowly, the straps of my heavy bag were cutting my shoulders. Suddenly something (probably my hunter) pushed my back, making me fall and making the bag rip. From inside of it jumped a Tupperware with a half-eat sandwich. I tried to crawl away from the wolf, but my muscles refused to obey me. My hunter sniffed the food and decided to eat it, swallowing all at once. Then it turned to face me, with a tomato between the open teeth. I was paralyzed and couldn't do anything but follow that corpse with the eyes (yes, it seemed more a corpse than a living animal) surrounding me. I could hear noises of a far place, but beside that the scene was silent – I stopped yelling when I fell.

We stayed on that almost static moment until it decided to act. It jumped, aiming my neck, but I put my right arm in front of me. The wolf dilacerated from elbow to wrist; bit my hand and didn't release it. I cried as loud as I could, and saw an elder (neighbor of my uncle) with a rifle. He was trembling, but aimed at the wolf and shot. Lower than my cries, I heard the crash, but the wolf wasn't hurt. The blood flowing down was only mine. The bullet reached the floor, next to the wolf's tail. The monster felt threatened, but it wasn't going away without an award, so it did a hard pull in my hand and began to run away. The pain that I felt that day is something that I remember until today, in my dead-life. In the moment, I didn't realize that two fingers of my right hand had gone with the wolf; just when I saw (with wet eyes) my bloody mutilated hand without the forth and fifth fingers that I understood why it was aching so hardly. I heard another shot while my vision was getting blurred. I fainted.

After, someone told me that the elder killed the wolf with the second bullet. My parents took me to Montreal to visit doctors, but no one could help me. The wound had cured, but I had to became left-handed; I lost friends because of my appearance; I lost my childhood. It complicated my life and continue even now, in my dead.

Meio melô, confesso.

02 outubro 2008

Reasons

I was opening the gate when the first raindrop fell. And then another, and another, and another.
The clouds were crying so loud that I couldn't listen my-self-pain. The arms of the drunk trees were whipping the air, seeking the highest clouds. It was a Cyclops battle and I wouldn't complain staying at home, listening my mood amplified outside. I turned and went back.
As soon as I opened the door, a wild wind passed by me and made papers on the piano madly dance until touch the floor.
"Oh my fuckin' sheets!" I bawled, pulling my bike in and closing the door.




"The word is 'now'
I'm ready to make my sacrifice
Pray - imagine all the things
That I never talked about" - Qui c'è un bisticcio, può capirlo? Ancora vorresti ascoltarmi ad ogni modo? *sospira* Allora così sia, non si può fare niente.

22 setembro 2008

Yin Yang..?

Estive ruminando estas inquietações há algumas semanas.
Na filosofia oriental (perdoem ignorâncias, sou estupidamente desinformada), para criar uma mentalidade harmoniosa, é necessário o equilíbrio entre os dois lados da moeda, Yin e Yang; ou razão e instinto, se preferirmos pôr nestes termos.

Pois bem, examinando os costumes do budismo, observo ao longo da senda óctupla (se é que o nome é esse e eu não estou alucinando) que há uma supressão do conteúdo instintivo - ou ruim - da parcela que compõe a mentalidade humana. Veja bem, há os preceitos de não matar, não fazer sexo, não comer carne (vermelha?). Matar, reproduzir e se alimentar são aspectos básicos que o instinto animalesco de sobrevivência de si e da espécie produz. Matar para se manter vivo, copular para manter a espécie viva e se alimentar para se manter vivo. A harmonia seria então a completa retirada de qualquer coisa que remeta à condição existencial da espécie humana? O humano perfeito seria aquele que reprimiu até a necrose todo indício de instintivo e tornou-se um ser absolutamente racional, cujo pensamento predomina sobre tudo? Ou o instinto e a razão devem manter-se realmente equilibrados, lado a lado?

E aí começa a minha inquietação em nível pessoal. O andamento que minha vida teve ao longo deste ano foi justamente tentar excluir da minha pessoa, paulatinamente (e convenhamos, baseada em escolhas um tanto quanto oportunas a mim mesma), o aspecto considerado 'ruim' dentro da moralidade que vigora na atualidade (embora seja mendaz). Tentei ser menos pessimista, cuidar dos seres que me rodeiam com menos descaso e mais carinho - as plantas foram grandes empreendimentos neste sentido -, conhecer melhor as pessoas e julgá-las menos, reduzir meus preconceitos, diminuir minha preguiça e meus obstrutores naturais, viver mais em contato com o mundo à minha volta, não tão reclusa nos meus pensamentos. Sei que muitos - senão todos - sequer perceberam o que se passava, mas acontece; é difícil levantar os olhos de si mesmo para examinar o ambiente, com sincera boa vontade. Então as coisas mudaram, e nestas últimas três semanas eu encaro meu passado recente não com desprezo, mas com incompreensão. É como se eu tivesse colocado os óculos escuros para ver melhor o mundo que ofuscava um pouco, e visse o quão inútil fora todo o meu esforço. As coisas morrem e deterioram, as pessoas têm defeitos - além da sina de não conseguir curar todos eles - e não estão nem um pouco interessadas em corrigi-los, o Mundo seguiu adiante (eu havia perdido a profundidade desta citação desde que o ano começou), a paz não existe, tampouco a plena satisfação entre todos, assim como a violência é algo inerente a todos, desde as agressões verbais pensamentos assassinatos à tudo que me cerca. Sei que parece desconexo, mas essa violência essa crueza esse pretoebranco é o que me faz escrever e manter fina a camada de espelho que me separa de Sibilla.

Há quem pense ao ler isto que perdi completamente o fio da meada, que estou deprimida ou algo do gênero; mas isto é apenas uma lista de observações que necessitam de outras para que se saciem e eu consiga um mínimo de calmaria para esta minha confusão mental. Eu preciso de um caminho a seguir. Eu preciso de uma forma de me compor, porque os antigos alicerces ruíram com o passar do Mundo.

18 setembro 2008

Composition #1 (Dear Lucy...)


I'm sending you this email to explain what happened a few minutes ago (I'm sorry I didn't write a letter, but I found out just now that I don't even have a piece of paper).
As you know, I've got Merry, the hamster, which has the bad habit of running away from the cage. Well, when I woke up today, I realized my milk was over, so I had to go out to buy some for the breakfast before your arrival.
I opened the door but returned to get my wallet; I was locking the door when suddenly I saw Merry on the corridor, next my neighbour's (Marie Dalloway) door. I tried to catch it, but it slipped away and I dumped Marie's door. At that moment, I didn't notice I accidentally opened the door. I began to talk in a low voice "Merry, come on, come with me" but it ran beetween my feet, and it entered in the gap of the half-opened door. I lost my patince and cried, angry "Merry, c'mon, you're driving me crazy!". I put my hand on the gap and definetely opened the door. I entered the room crawling, trying to catch Merry and saying, bored "You aren't allowed to move! Merry, stop!" I finally caught the hamster and stood up, when I saw Marie half-naked looking at me with horror on her face. We stayed a second analysing the situation and then she began to shout "Pervert! Get out of here, now!" I don't know when you arrived and what you saw, but trust me, it wasn't intentional. Sorry about this.
With love,
Stuart.
P.S. I didn't run after you because I had to explain to Marie what happened.

09 setembro 2008

Three...

...incomplete stories.

Alla mia scuola (presto) avrà un concorso di racconti; parlavo con alcuni maestri de portoghese e ha un rumore che sarà bisonho scrivere il racconto alla scuola, in uno momento specifico. Mentre questa voce non'è smentita, non scriverò niente. Ho solamente idee per finire.

Arrivederci.

02 setembro 2008

"As pessoas se transformavam em cadáveres decompostos à minha frente, minha pele era triste e suja, as noites não terminavam nunca, ninguém me tocava, mas eu reagi, despirei, voltei a isso que dizem que é o normal, e cadê a causa, meu, cadê a luta, cadê o po-ten-ci-al criativo?"

Caio Fernando de Abreu

Imagem

Não sou dessa imagem que sou eu.
Não sou dono dessa imagem: ele.
Ele não sou eu.
Conversamos nos desvãos das frases.
Intervalamos pronomes pessoais.
Eu sou meu ele?
Com essa caneta na mão escrevo.
Com essa cabeça nos ombros espantado penso.
Olho aquele, elo, ele.
Quem sou ele?
Desamparado me perco no intervalo
do espelho.

Affonso Romano de Sant'Anna

01 setembro 2008

Carta..?

Bom dia/tarde/noite, meus caros.
Eu venho hoje, como porta voz de mim mesma (ao invés de expressar a tola que escreveu aqui até hoje - sob a minha tutela, certamente, mas...) não anunciar algo grandioso, mas lançar um simples apelo aos parcos leitores que presenciam este excerto. É algo ínfimo, mas a mim dolente. Eu, Sibilla Liantasse, estou sumindo. Esvanecendo. Esvaindo.
O espelho tem se tornado cada vez mais espesso, e esta pobre inútil não consegue afilá-lo, reverter essa situação que para nós duas é assaz desconfortável.
Ainda não chegamos a conclusão de qual fator desencadeou esta sucessão de inabilidades, de frustrações e fracassos. O decorrido namoro? O distanciamento do nosso primeiro ponto de contato? A postura ensimesmada que este ano a tem feito adotar? Podem ter sido todos, assim como pode ter sido nenhum. Como sabem, não sou daquelas que o 'destino' resolve arrastar para lá e para cá, então sempre fico naquele cantinho confortável, encostada no espelho, esperando esta ingênua que corre para todos os cantos, numa rotina extenuante.
Esperamos (ambas) interromper este processo de 'folheação' do empecilho que nos aparvalha a comunicação. Caso contrário, este depósito de idéias estará com os dias contados, todos eles apontando para o esquecimento.
Cordialmente,
Sib.

28 julho 2008

Relances - I

.
__As luminárias da rua dissipavam sombras na rua deserta. Pairava o silêncio mortal da madrugada. Um discreto Opel Olympia desacelerou a alguns metros da fábrica, e duas silhuetas saltaram do carro. O carro seguiu em frente, deixando para trás um casal hesitante e ligeiramente estranho um ao outro e ao ambiente. Uma jovem de cheios cabelos castanhos vestia um poncho andino verde-oliva; um de seus braços estava cruzado na barriga, e o outro acomodava um longo tubo oculto pela vestimenta. O homem mantinha-se a uma distância prudente de sua companheira, e examinava o lugar atentamente, apoiado numa foice. Trajava uma roupa desgastada e esvoaçante. O Opel logo sumiu de vista. Mantiveram-se em silêncio. A rapariga dirigiu a seu parceiro um olhar incisivo, que foi polidamente ignorado. Então encarou a fábrica e começou a se aproximar dela. Próximos à entrada haviam dois carros civis e sete viaturas, cujas sirenes silenciosas irradiavam seus metódicos clarões avermelhados. A porta de entrada do edifício estava arrombada.
__Um clarão surgiu no fim da rua, acompanhado de um som de explosão. Ambos observaram surpresos 'a distração' providenciada pelo dono do Opel. Eles ouviram a praguejação generalizada e os gritos de ordem seguirem o arranque dessincronizado de alguns carros. Cinco automóveis policiais passaram pela guarita e foram em direção à luminiscência alaranjada que irrompera com a explosão. Os dois carros oficiais que restaram estavam flanqueando a porta da fábrica.
__'Louis, vamos' sussurrou a jovem, pegando no pulso do homem para chamar-lhe a atenção. Ele observou-a com frieza e puxou o braço para si. A moça deu-lhe as costas e andou com cautela em direção à entrada da fábrica. Furtiva, passou pela guarita vazia e se escondeu da vista das viaturas atrás de um Dodge preto. Embora não conseguisse ver o interior do automóvel na sua diagonal, só havia um policial no carro à frente, e ele estava recostado no banco. Ela sorriu. Louis examinou seus passos e depois de alguns instantes seguiu-a. Assim que ele chegou, Irène foi se deslocando para a traseira da viatura oficial. Ao iniciar mesmo caminho, Louis sentiu uma sensação desconfortante apertar seu pomo-de-adão, e preocupado com isso, esqueceu totalmente da pouca coisa que sabia ter de fazer ali.
__Irène olhou para trás para ver onde o filhote estava, frações de segundo antes de ouvir um metálico ruído no vidro da viatura. Com o canto do olho constatou que o policial no interior do veículo pulou de susto e em seguida saiu do carro, com uma pistola já apontada e destravada para o vidro do passageiro. Louis encarou-o surpreso, como se saísse de um transe, depois recolheu sua foice e preparou-a. Dois outros policiais saíram da viatura adiante, com as armas também apontadas. 'Largue a foice, camarada' disse o mais próximo. Os outros se aproximavam.
__Irène praguejou. Agora era mais um para ir buscar depois. Todos estavam reunidos, cercando o filhote, que após algumas palavras secas soltara sua arma. Ela abaixou-se ainda mais e correu para a porta arrombada, enquanto o algemavam e o atiravam no chão, dirigindo-lhe um facho de luz na sua cara. O cara maior riu de alguma coisa que o algemado dissera e retrucou, em altos brados 'De que isso me interessa? Isso não é ponto turístico, ainda mais a essa hora da madrugada'. Os outros se afastaram, enquanto o grandalhão dizia 'Então vamos fazer um interrogatório' antes de chutar-lhe a boca do estômago. Irène retirou das costas sua cimitarra e saiu da recepção apagada da fábrica, indo furtivamente para onde o ar fedia mais a coisa ruim.
__
__'Você está sozinho?' rugiu o policial. Louis resmungou qualquer coisa inaudível, recebendo uma coronhada na cabeça. 'Vamos, diga o que está fazendo aqui!' Ele replicou, com a voz rascante 'Nem eu sei'. O homem deu uma gargalhada 'É o que todos dizem, não é?' Guardou a pistola no cinto, ao lado do suporte dos suspensórios, e desafivelou um envernizado porrete. Seu corpo tingia-se de vermelho esporadicamente. 'Vou lhe apresentar uma amiga, então: Esta é a Palavra' Ele acenou com o porrete. 'Em reuniões costuma-se dizer que quem está com a Palavra sempre tem razão... e o que é isso, senão uma reunião?' Louis ouviu-a silvar vindo ao seu encontro, contra o ar parado. Seus lábios se abriram num rosnado quando uma repetina escuridão (re)ofuscou-lhe a vista.
__
__Irène estava terminando de subir as escadas quando ouviu gritos roucos e barulho de carne dilacerando, junto de metal amassado. Deixou escapar um sorrisinho. Já não era mais um filhote. Apressou a cadência, enquanto retirava de debaixo do poncho um braço torto enfaixado, com tufos de pêlos castanhos saindo de alguns pontos.

21 julho 2008

shhhh....

O sorriso singelo sumia insinuando-se entre as silhuetas esguias que silenciosamente saíam de cena.

16 julho 2008

"O Dia da Criação"

"Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado." - Vinicius de Moraes


Sua boca parecia ter chupado o cabo de um guarda chuva pela noite adentro. Uma trilha escorrera vertiginosa sobre suas maçãs, deixando um rastro de pele ligeiramente mais rígida que a maciez costumeira. O pequeno urso estava espremido no seu abraço agoniado e fones de ouvido pendiam do lado do travesseiro, desligados pela espera; junto deles havia um celular ligado e aberto na agenda de contatos - a bateria dava seus últimos suspiros. A inevitável luminosidade diurna viera, plúmbea como as asas de uma pomba veneziana, plúmbea como o pesar que envolvia o quarto. O vento açoitava o vidro das janelas com o guincho estridente dos ramos depenados. Emergiu o corpo das cobertas e enfiou os pés em uma pantufa.
O espelho defronte a cama delatava uma face inchada de olhos injetados. A vida ainda continuava, naquela situação péssima. Os soluços entalados, os gemidos abafados, as melodias opressivas, o orgulho perante a quebra.
"Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado"
Era sábado, então. Havia a praça, a combinação, nem tudo estava perdido. Águas de alívio subiram aos olhos, ela as afastou com impaciência. Elas poderiam esperar um pouquinho mais, só até ela poder enfim desabar nos braços de Alguém. Espirrou. Fazia frio.
Ainda desfilavam diante de si aquelas lindas idealizações, desafiadoras. Os cabelos ruivos em profusão, as alturas contrárias, os erros perdoados, os maus entendidos resolvidos... e um final feliz. Observando o louro acinzentado do agora, do real, do palpável, ela via com os olhos transbordantes que reservara a si mesma algo que era de longe muito distante do que queria, ou fingia querer.
"Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado"
Lavou o rosto, retirando o sal seco de suas bochechas. Mudou a roupa e tomou o café mais rápido que conseguiria, desviando de seus pais o máximo possível. A saturação de lágrimas não saía da iminência do dilúvio, e assim ela saiu de casa, depois de dar um beijo úmido em seu urso e apanhar sua mochila.
Foi-se no ônibus verde, pegando conexão com outro e enfim descendo numa avenida arborizada. As coisas pareciam um pouco fora de órbita, mas ela aceitou isso como sua condição interior.
"Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado"
Chegou atrasada à praça, mas nada de Alguém. De prontidão, o líquido morno respingou das pálpebras pesadas, e retirando os óculos ela secou o rosto, com a manga. Vai que tem um Outro Alguém por aqui. Por uma das poucas vezes não queria vê-Lo, e prestativo como sempre, ele não estava lá. Se aproximou do lugar adotado como ponto de encontro. Nada de ninguém. A praça parecia meio morta, as barracas eram poucas, as pessoas, estranhas.
"Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado"
Mas era sábado. Isso era definitivamente estranho, não havia viv'alma ali! E cedo propriamente não era, já passava das onze e um terço... talvez estivessem dando uma volta; a praça era grande, afinal. Fez o círculo e parou de novo, no ponto de partida. E nada, de ninguém. Sequer um conhecido. As pessoas passavam por ela, enquanto ela os fitava, decepcionadamente perplexa. Onde estava todo mundo? O que acontecera com o ritual de sábado? Eram férias até, oras! Todas os fins de semana, todas as pessoas... nem mesmo o palhaço, o infernizador, não restava ninguem ali.
"Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado"
Ela se sentou num banco, onde tinha um visão perfeita da passagem, do mundo. O tempo era varrido pelo vento, deixando somente o frio e o desolamento. Nada de ninguém. Ela pegou o celular e ligou para Alguém, tentando conter a sensação de abandono, de estranhamento e de desalento em torrente. Precisava ouvir uma palavra tranquilizadora, uma garantia de que não estava realmente no lugar certo mas no lugar errado, que ainda conhecia alguém, que não estava sozinha. Caixa Postal. Menos calma, tentou a casa. Sem resposta.
"Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado"
O guarda olhou de relance, enquanto ela abraçava os joelhos e se esforçava ferrenhamente a não chorar tudo ali, de uma vez. O tempo passava e ela tornava a ligar, não aceitando que o mundo de repente sumira, no relance do espelho. Nada. Nada. Nada. Pensou num amigo que poderia estar trabalhando por ali e ligou, já em vias de desespero. Chamou uma eternidade e enfim alguém atendeu. Mas não era ele, era uma moça. 'Não, ele não está... foi para o colégio'
"...E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado"
Ela enfim se levantou, procurou mais um pouco, embora só surgissem na sua visão estranhos e mais estranhos. De olhos rasos desistiu e deixou a praça, lugar não mais tão seguro, tampouco acolhedor. As pessoas a encaravam com um misto de pena e diversão.
Sozinha, ela desceu as ruas, com a face novamente lavada. A sensação de ter estourado a bolha que envolvia seu mundo a deixava vagando ali, de olhos vermelhos, numa dimensão de seres insólitos.
"Porque hoje é sábado"

14 julho 2008

Um Conto a Quatro Mãos (XIV)

_
"Minha meta, minha metade
Minha seta, minha saudade
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã" - Lenine
__________

__Muitos olhos. Olhos demais, fixos nele, daquele jeito insuportável. Os ruídos retomaram-se, alvoroçados. Mas que raios..? Abaixou então os olhos para si, enquanto ouvia o Anfitriã entoar, por entre seus dentes perfeitos

''Ah, Mochara, não esperava isso de você''

__Houve uma pequena pausa. Sua aparência era idêntica a de instantes atrás.

''Huhuh, vejam só, que insistência
Sustentar por aqui este ar tão blasé
Deixe aqui fluir sua aparência
Tão verdadeira como essas que vê''


__Sua percepção corporal ao som deste cântico era periclitante, antes mesmo de seus olhos embaçarem numa estranha confusão mental. Rodopiava tudo, todos, numa totalidade embaralhada, de modo que achou ele melhor cerrar as pálpebras. Ao cabo de alguns instantes a balbúrdia foi acalmando, e Můjpřítel começou a sentir sua pele lisa; o vento deslizava como se escorregasse. Sua pelagem aparentava haver desaparecido. Sentia-se volátil como uma bexiga e leve, muito leve, como a sensação de um ébrio ao caminhar; parecia estar flutuando...
__Seus olhos focaram então em seu corpo. O esforço para enxergar a si mesmo parecia alongá-lo, se bem que aquele lugar era todo meio estranho... Viu-se então translúcido, quase transparente, com a luz trespassando-o e desprezando uma sombra tênue e tremelicante no chão. E o chão, seco e poeirento, encontrava-se longe de seus pés, ou de algo que deveria sê-los. Sua pele estava lustrosa, apesar de transparente.
__O Anfitriã encarou-o, divertido, puxando em seguida de sua veste uma corrente fina com um belo relógio de bolso, prateado. Fitou sua imagem e arregalou os olhos (ou seus correspondentes naquela situação estranhíssima), estupefato. A jovem do caderno sorriu, e a garotinha encarrapitada no Anfitrião anunciou, numa voz frágil e soprada 'Olha Sarah, ele parece um pepino!'. Sarah assentiu, e em seus brilhantes olhos Meumigo viu e aceitou que definitivamente era uma bolha. Um pepino-bolha.

12 julho 2008

A Insustentável Leveza do Ser - Milan Kundera

__"A traição. Desde nossa infância, papaei e o professor nos repetem que é a coisa mais abominável que se possa conceber. Mas o que é trair? Trair é sair da ordem. Trair é sair da ordem e partir para o desconhecido. Sabina não conhece nada mais belo que partir para o desconhecido. (...)
__Mais uma vez, estava possuída pelo desejo de trair: trair sua traição inicial. Anunciou ao marido (não via mais nele um excêntrico, mas sobretudo um bêbado incômodo) que iria deixá-lo.
__Mas se traímos B., por quem tínhamos traído A., isso não quer dizer que vamos nos reconciliar com A. A vida do artista de quem se divorciara não se parecia com a vida de seus pais traídos. A primeira traição é irreparável, ela provoca, numa reação em cadeia, outras traições das quais cada uma nos distancia cada vez mais do motivo da traição inicial.
(.......)
__Já conhecemos a resposta: quando ela traiu seu pai, abriu diante de si uma longa estrada de traições e cada nova traição a atraía como um vício ou como uma vitória. Ela não quer ficar dentro da ordem e nela não ficará! Não ficará sempre na ordem com as mesmas pessoas e as mesmas palavras! É por isso que está transtornada com sua própria injustiça. Esse sentimento não é desagradável, ao contrário, ela tem a impressão de ter conseguido uma vitória e sente como se um personagem invisível a aplaudisse.
__Mas a embriaguez logo se transforma em angústia. Era preciso um dia chegar ao fim da linha! Era preciso um dia terminar com essas traições! Era preciso parar de uma vez por todas!
__Era noite e ela andava com um passo apressado na plataforma da estação. O trem para Amsterdã já estava à espera. Procurava seu vagão. (...)"

07 julho 2008

Leather - Tori Amos

Ouvi essa música depois de escrever o excerto anterior, e ela me rendeu alguns pontos comuns.
Estado pós-Neil Gaiman ligado.

Look I'm standing naked before you
Don't you want more than my sex
I can scream as loud as your last one
but I can't claim innocence

Oh god could it be the weather
Oh god why am I here
If love isn't forever
and it's not the weather
Hand me my leather

I could just pretend that you love me
The night would lose all sense of fear
but why do I need you to love me
when you can't hold what I hold dear

Oh god could it be the weather
Oh god why am I here
If love isn't forever
and it's not the weather
Hand me my leather

I almost ran over an angel
He had a nice big fat cigar
"In a sense" he said "you're alone here
So if you jump you best jump far

Oh god could it be the weather
Oh god why am I here
If love isn't forever
and it's not the weather

Oh god could it be the weather
Oh god it's all very clear
If love isn't forever
and it's not the weather
Hand me my leather

30 junho 2008

~#~

Ensaiou um passo leve, arrastando o pé em ponta pelo chão. Seu joelho doía. Manteve o sorriso no rosto e mudou o apoio. Ainda latejava, enquanto o rapaz sério e concentrado a espiava sentado no chão. Tinha o ar absorto em seus movimentos, fazendo sua boca secar e a pele queimar. A sala estava escura, vazia e lisa. Nada se movia, exceto sua tez esbranquiçada nadando em fluido. Procurou fixar o olhar em alguma coisa, mas tudo o que via era chão e paredes nuas. Esparsas janelas denotavam um céu noturno e fechado, ao ponto de ruína. Essa apoluição visual incomodava-a, não conseguindo manter o olhar em nada. Seus membros deslizavam e sua atenção recaiu novamente ao rapaz que a observava, consumindo seus passos. O tempo escorria entre eles, como o arco rascante numa corda. O clima era choroso, pesado como o céu, e sobre sua mente lamentava um violoncelo em opressiva melodia.
O moço levantou, sem dela tirar os olhos. Ela parou, defronte a ele, com os membros despidos relaxando gradativamente. A chuva começara.
Deu as costas e cobrindo a cabeça com o capuz do casaco, ele abriu a porta e saiu para o mundo, deixando-a entreaberta. Ela ficou ali, diante da poça que avançava lânguida. A máscara caiu de sua face, deixando escapar pesar que aparvalhava sua vista. Encolheu-se perante o ar gélido que percorria o corpo em baforadas suaves, e abaixando apanhou um grande moletom escuro para ocultar-lhe a pele pulsante.

10 junho 2008

Quotidiano.

Tudo dentro e fora do alcance. Perto, mas assaz longínquo. A mão estendida estilo Criação de Adão, no gesto patético do abandonado, arrependido. O tempo escorrendo na areia áspera e rascante da ampulheta.
E sob o véu suave do silêncio, ouvem-se sussurros cantando a queda do mundo.
Mas este mundo não cái, levita no vácuo. (sim, no vácuo)
Já se desvencilharam da realidade hoje?

27 abril 2008

Ultimamente...

Tava querendo sentir mais, respirar mais.
Mas essa carruagem só traz gás carbônico.

12 abril 2008

Um Conto a Quatro Mãos (XII)

"Who will walk through the mirror door 
Will there be music, or will there be war?" - The Who
____

///Com os braços repletos delas e dos bolsos espiando outras, um homem veio andando à frente, com suas doces cobras de olhares faiscantes; logo atrás veio uma senhorinha de mãos dadas com uma pequena criança carregando três bonecas ruivas apertadas junto ao peito. Passando por todos numa velocidade irregular, um senhor andava rápido e muito devagar, com o olhar perdido em algum ponto além. Acompanhado de um tilintar irritante de um colossal molho de chaves vinha uma figura magérrima e encurvada; os pontos negros encovados sobre olheiras crônicas fitavam o garoto que andava ao seu lado batendo fortemente os sapatos barulhentos no chão, ouvindo algo no walkman e munido de brinquedinhos de cachorro - dos que fazem 'fyííí'. Dois homens imundos carregavam um terceiro, estático com os braços esticados pra cima, rígido como um aspargo. Um quarentão impecável conduzia um adolescente de olhos vendados; o canto de sua boca tremia e ele parecia se concentrar em não olhar para o conjunto que fedia à sua frente. Por último, seguia tímida uma jovem com uma pasta debaixo do braço e no colo uma pequena garotinha que ressonava tranqüilamente.
///Um cheiro incômodo se infiltrou nas narinas sofridas de Meinfreund. O Anfitrião fechou o espelho com um cutucão da bengala e com a voz cristalina fez-se ouvir sobre os sapatos que pisavam em sua voz como pisavam no piso de tacos de madeira.

"Ei! venham por aqui, minhas crianças

Vamos à sala, peço-lhes urgência
Vamos à sala, sem tardança
Rapazes, cuidado com o Aspargo (dai-me paciência!)

Temos assuntos a tratar
Pela sala sairemos
Iremos para um belo lugar
E pela sala voltaremos

Sigam para o espelho do próximo ambiente
Encantar-se-ão com o nosso destino
Mas à caminho, meus amores, é urgente!
Luís, seja os olhos de Estrôncio! Por São Peregrino!"

\\\O adolescente de olhos vendados tropeçou numa irregularidade do tapete, sendo amparado pelo quarentão, que balbuciava desculpas. A Anfitriã lançou à Amicomio um olhar convocador.

11 abril 2008

Violinista.

Estava no mais frenético deslizar de dedos convulsos pela superfície preta e branca, em fortissimos e pianos, com o suor brotando dos poros, a face encabrunhada pela concentração sofrida. Sobre o final acorde, de fermata encabeçado, ele afastou os braços ainda vibrantes de esforço, com rapidez. Levantou-se do banco metendo-se debaixo do chuveiro de água fresca e da sombra da madrugada, ao apagar a luz.
O líquido invisível escorria sob sua pele.
E lá estava ele, de pé diante de uma multidão espectadora, aguardando de olhos vidrados. Cortinas vermelhas insinuavam-se na periferia de sua visão, e suas mãos seguravam uma lustrosa e leve peça de madeira. Pasmo, encarou todos aqueles homens elegantemente vestidos e mulheres de leques floreando. Vestido num terno bem ajustado, ele viu o fatídico problema, surgido em suas mãos, a ser consumado por um arquejar de crina de cavalo. Os dois fs o fitaram, inexpressivos. Onde estava o luzidio instrumento de cauda esparramada? Mai ha preso un violino per suonare. Come se fa adesso?
Pensamentos interpelavam-se à caminho da boca, que para não entrar moscas permaneceu bem fechada. De música, só o piano. Que raios faria com um violino na mão e um teatro esperando?
Um movimento furtivo captou-lhe a atenção. Um colega de piano, mirrado e tímido, entrou no palco carregando singelamente uma estante com uma imodesta partitura. Postando-a constrangido na sua frente, murmurou um constrangido 'sie ist einfach' sumindo em seguida. Sua mente registrou algo como 'pra você essa é bico'. Ele encarou a única clave e a enchente de notas, apreensivo. Posicionou o violino junto ao pescoço e preparou o arco. O teatro suspendeu a respiração. Pensando merda, falou scheisse e imaginando teclas, atacou as quatro cordas num fortissimo in-fusivo. Despejou a melodia galopante repetindo mentalmente que não sabia tocar violino e seu instrumento era piano. O som atravessava seus ouvidos sem deixar vestígio de continuidade. Mas o piano, o piano, só o piano...
A água começou a esquentar, sobressaltando-o. Um suave ronco interrompeu-se em sua boca. Tinha uma pedra sabão firmemente segura na altura do ombro.

(baseado num sonho real :])

06 abril 2008

Crise

Ela chegou um dia naquele ponto em que a consciência se torna pungente sobre todas as decisões que tentam se passar despecebidas, inconscientes; feito cachorro que tenta entrar em casa para pegar alguma guloseima que caiu no chão, tentando não despertar a atenção do dono que faz o almoço. Quando não se tem mais o 'sem querer'. Chegou ao ponto de controlar perfeitamente o humor, feito titereiro com a marionete da própria personalidade, do próprio corpo, de si mesmo. Explorou os limites até tê-los todos mapeados, delineados com perfeição.
Mas a paz que deveria chegar com essa sapiência, se perdeu no caminho.
Como se houvessem dois seres pensantes dentro de uma só carcaça, um submisso ao outro. Quando o pobre-coitado tenta timidamente se mover, se erguer, sussurrar, o senhor-racional lança um olhar canto-de-olho beligerante, numa incansável imposição mental entre o dominador e o dócil dominado.
O esgotamento se instalou nela, ao perceber cada motivo de todas suas ações pensamentos coisas estúpidas banais. Clamou por paz, dada a irreversibilidade da situação. Ela chorou para ser menos indecisa, insegura e triste.
O triste fado da constestação finalmente soltou todo o seu peso sobre os seu frágeis ombros, afundando-a num oceano chumbo de perguntas sem resposta, de relacionamentos capengas, de horizonte cinza.
Ela suspirou, entorpecida, em seguida mexeu os dedos gelados de frio que roçavam no piso onde estava sentada, encarando o escuro.

29 março 2008

Um Conto a Quatro Mãos (X)

'Good morning, good morning, Dear!'
Sarah abriu os olhos. Um metrônomo tiquetaqueava abafado, em um ambiente outro.
Em dilúvio, est(r)alou as mãos, pescoço maxilar pulsos cotovelos vértebras virilha joelho, tornozelo e finalmente os dedos do pé. Suspirou de alívio, sorrindo para o teto sóbrio.
Soergueu-se da cama. O lençol escorregou pela pele lisa, oculta sob o véu do breu.
Pantufas, pantufas... pantufas? Ah, sim, aqui estão as pantufas. Agora, a camiseta.
Vestindo uma enorme camiseta e um par de pantufas felpudas, Sarah apanhou seu bloco de desenho, um lápis e saiu para o corredor. Tec tec tec tec.

Nuvens prateadas voejavam a sua volta, como lontras dentro d'água. O Anfitriã encarava-o empoleirado num pico à distância, com a bengala fazendo um elegante ângulo agudo com seus pés.
As nuvens se dissipavam, retornando a um cenário escuro. Um leve risquejar sub-traíra o silêncio. O moço entreabriu as pestanas secas e uma silhueta borrada se destacou do ambiente escuro, debruçada sobre o colo.
A um resmungo seu, o vulto assustou-se e sumiu feito animal silvestre.
O pobre moço, envolto em bandagens, virou para o outro lado e dormiu.
E sonhou com as sebes altas e sussurrantes, regadas a singelas melodias de um cravo bem temperado.

A Anfitrião saía do quarto amarrando seu roupão para buscar um uísque quando Sarah passou apressada com seu tão familiar bloco de desenho na mão. Era cedo para a Pequena empipocar por aí. El' assistiu-a um pouco até ouvir um bip prolongado vindo do escritório.
Arrancou o longo papel de poucos caracteres da boca do fax, sorvendo o conteúdo - líquido e gráfico - com um ar grave. Logo após de passar os olhos pelo vômito maquinal, abriu uma gaveta e queimou-o com um isqueiro de prata.



(desculpem-me a demora)

12 março 2008

Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street

Estive na quarta-feira passada no Kinoplex para assistir o musical "Sweeney Todd", dada a grande incidência de comentários favoráveis, e o meu interesse no filme (elenco, enredo...)
"SYNOPSIS: Johnny Depp and Tim Burton join forces again in a big-screen adaptation of Stephen Sondheim's award-winning musical thriller "Sweeney Todd." Depp stars in the title role as a man unjustly sent to prison who vows revenge, not only for that cruel punishment, but for the devastating consequences of what happened to his wife and daughter. When he returns to reopen his barber shop, Sweeney Todd becomes the Demon Barber of Fleet Street who "shaved the heads of gentlemen who never thereafter were heard from again." Joining Depp is Helena Bonham Carter as Mrs. Lovett, Sweeney's amorous accomplice, who creates diabolical meat pies. The cast also includes Alan Rickman, who portrays the evil Judge Turpin, who sends Sweeney to prison and Timothy Spall as the Judge's wicked associate Beadle Bamford and Sacha Baron Cohen is a rival barber, the flamboyant Signor Adolfo Pirelli. [Site Oficial]"

Certo, terminada a sessão, estava eu convencida de acabar de ter assistido um filme 'ultra-romântico' (Segunda Geração do Romantismo). O fato de estar vendo esta escola artística em literatura só me encheu de evidências, que exponho a seguir. (As pessoas que estiverem interessadas em assistir o filme sem spoilers, não leiam o que vem abaixo)
  • Presença da Mulher Romântica
A esposa de Benjamin Barker (Mr. Todd) - Lucy Barker, é de constituição frágil, pele branca, delicada, educada. Só faltava ser doente, coisa que sucede ao longo de sua vida, depois de seu envenenamento (vê-se no seu rosto de mendiga).
A filha de Barker - Johanna, segue o mesmo tipo estético da mãe ->
  • Pai (da jovem) Autoritário
Embora não seja propriamente o pai, o Juiz Turpin, responsável pela jovem Johanna, é um homem extremamente severo e autoritário, que mantém sua protegida trancafiada em casa.
  • Sublime x Grotesco
O filme contém diversos trechos, mas tomarei somente um.
Benjamin Barker x Sweeney Todd -> a mesma personagem, embora em fases distintas. Barker era um homem (como Todd menciona) tolo ["foolish barber"] (feliz ao lado de sua mulher e recém-nascida filha, de aparência saudável e considerado homem bonito (pelo senso comum). Sweeney Todd, por outro lado, era um homem deteriorado, amargo e 'louco'.
  • Egocentrismo
A obsessão de matar o juiz Turpin é uma delas, assim como a decisão de Mrs. Lovett de não contar o paradeiro de Lucy Barker, ou até mesmo o desejo do jovem marinheiro Anthony de seqüestrar Johanna para fugir com ela.
  • Supervalorização do sentimento
    • Ódio
A obsessão de vingança de Sweeney Todd pelo Juiz Turpin, que lhe roubou a vida, que se alastra pelo ódio pela raça humana, levando-o a matar todos os seus clientes.
    • Amor ("O Amor pode tudo")
O Amor à primeira vista de Anthony por Johanna, que o leva a apanhar, a formular modos de seqüestrá-la, a se passar de assistente de peruqueiro para resgatá-la num manicômio. E no fim, dentre os personagens, Anthony e Johanna são os únicos que sobrevivem para fugir de Londres juntos.
  • Escapismo: morte/loucura
Mr. Todd torna-se indiscutivelmente desequilibrado mentalmente depois de quinze anos na prisão por crime que não cometera. São vários os momentos no filme que Mrs. Lovett o impede de tomar atitudes precipitadas em virtude de sua obsessão. Fora isso, as últimas cenas do filme são um homicídio massivo, onde Mrs. Lovett, S. Todd, Lucy Barker, Turpin e Timothy Spall morrem.
  • Fotografia do filme:
Predominância do filtro azulado -> muito contraste entre o Claro x Escuro e vermelho extremamente chocante

Infelizmente, não posso comentar a trilha sonora =)
e por hoje é só.

20 fevereiro 2008

Um Conto a Quatro Mãos (VIII)

'Escravos de Jó, jogavam Caxangá
Tira, põe, deixa ficar
Guerreiros com guerreiros fazem zigue-zigue-zá!
Guerreiros com guerreiros fazem zigue-zigue-zá!'
_____

__(...) Seguido da singela entoada, apalpou os bolsos internos do paletó, fazendo, com um esganiço das juntas metálicas, a passagelétrica soerguer, ameaçadora. Parecia uma casa qualquer, cujos muros acinzentados apresentavam-se coroados de desafios arregaçados. O Anfitrião adentrou, batendo a bengala no chão como se para conferir de que ele continuava ali, duplamente concreto. A neve era fofa e o moço - pobre moço - tinha a pele encravada de arrepios sanguinolentos.
__Térreo, primo piso, porta, olhos, cortinas... o Anfitrião - ou a Anfitriã? - fez a passagem engolí-los com mais uma cutucadela no paletó. A chave que misteriosa-mente surgiu em sua luva calçada tinha um formato peculiar, mas foi inserida na lateral da maçaneta, junto de uns cliques agudos e secos e quando viu, sumiu.
__Abandonando o moço tingido de escarlate para que em paz fizesse sua higiene pessoal com um tantinho mais de privacidade, o Anfitrião deixou-o defronte a porta de mogno que dava acesso ao banheiro azul, seguindo pela excêntricasa sem desgrudar de sua bengala. Sala futurista - e de cores contrastantes -, sala barroca - com um cravo sorrindo com suas teclas acastanhadas a receber luz de uma vasta parede envidraçada (meio encoberta por uma cortina de veludo), hall 'noir' e enfim a cozinha... cubista. Todos os aparelhos aparentavam ter sido geomilimetricamente feitos sob medida - coisa que de fato ocorrera, quando o mundo ainda era um ovo tremilicante aberto em cima de uma orca a navegar pelo universo à fora -, de cores tão vivas a ponto de estarem prontas a sair pulando por aí feito cabritas. Em cima do fogão de bocas triangulares se encontrava um grande panelão-paralelepípedo, com uma canja excepcional (incrementada por aspargos) dentro. Abrindo o armário laranja ao cutucão de sua bengala, recolheu treze cubos de tamanho respeitável, cuja extremidade superior abria.
__Munido de infinita paciência, ele despejou o jantar dentro de cada receptáculo, depositando uma colher não-curva, fechando e transferindo para um carrinho - freqüentemente associado a doces. Finita a operação, se dirigiu ao hall e em frente à base da escada (a ser trilhada para acessar os quartos), pressionou com a (bendita) bengala um pedaço do rodapé, escancarando uma passagem. Ouvindo o ininterrupto e aleatório ruído, o Anfitrião abriu em seu semblante andrógeno um sorriso doce e depositou o carrinho numa plataforma ao lado da estreita sucessão de degraus. Acionou um dispositivo para baixar o jantar de seus fascinantes moradores, indo ao seu encontro, com seus sapatos ecoando no piso de tacos.

18 fevereiro 2008

Um Conto a Quatro Mãos (VI)

__A ânsia pelo arfar cessou ao encarar aquela situação. O arauto do que ele não concebia estava ali, com as unhas quebradas e sujas. Mas o que recomeçou o fluxo ensandecido de acontecimentos foi o sumiço daquela absoluta absurda alucinação. Um riso cristalino rasgou o silêncio resguardado pelo zumbido das sebes transpostas.
'Olhe, olhe quem vem lá
Correndo feito o Coelho que sempre atrasado está'

__Com o ar divertido, um homem muito elegante entrou em seu campo de visão. Vestia um terno preto assaz ajustado, portando luvas mais claras que sua tez e uma bengala preta com detalhes em prateado. Uma cartola preta encimava seu cabelo ondulado acastanhado inconformado, e olhos sagazes sorriam maliciosos sobre seu nariz afilado. Era de uma estranha fisionomia andrógena, e sua voz não denunciava seu sexo. Pairava na indecisão, na suave curvilínea glabra do rosto fino, inquietante π dentre números inteiros.
'Há tempos te espero, jovem amigo,
Chame-me de Anfitrião e venha comigo
Ao meu incomum e confortável abrigo'
__O(a) Anfitrião estendeu-lhe a mão coberta de fino pano e aguardou que o moço, o pobre esfarrapado e ensangüentado moço se aproximasse.
'Em um lugar subterrâneo há uma singela morada
para minha pequena coleção
- embaixo de uma casa, escondida por cerca eletricamente farpada -
têm fetiche, fobia, estranheza. Transtornados todos são'
__Com um aperto enérgico ele agarrou o antebraço do hesitante moço e a um movimento veloz executado pela bengala, abriu um rasgo no ar e pulou dentro dele. O moço perdeu o equilíbrio e bateu a testa num muro de concreto, sentindo um líquido quente escorrer por entre suas linhas de expressão.

11 fevereiro 2008

Uma citação interessante:
"Tomas compreendeu então que as metáforas são perigosas. Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora."
M. Kundera

29 janeiro 2008

Um Conto a Quatro Mãos (IV)

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E a história segue... Aqui e Acolá

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___(...) Estava alentando seu corpo que já fremia de dor antecipada pelo esforço quando parou, em tempo. Encarou a porta de cima a baixo, como fazia com as ninfas que pertenciam à outro solo sagrado. Sair pela porta da frente? Pouco perspicaz.
___Deu meia volta, sendo então tragado pela escuridão das naves laterais. Suas pernas já se livravam do entorpecido espanto de ainda estarem funcionando e forneciam, pouco a pouco, passadas mais vigorosas e seguras de sua potência. Tropeçando aqui e ali, ele localizou uma porta coadjuvante e sua respectiva tranca. Com um cadeado.
___O moço praguejou, surpreso pelo lapso de raciocínio em não considerar que a saída poderia estar trancada. Não o desejavam vivo, ponderou, não havia sido apenas um entusiasmo descontrolado no incentivo.
___Foi então que ele ouviu um tropel cadenciado de passos. Seu sangue solidificou a ponto de se mover centímetro por centímetro de acordo com o staccato cardíaco simétrico aos pés alheios. Olhou em volta e viu o vulto de um santo serenamente imóvel ao seu lado, portando uma lança. Pousou sua mão em volta dela. Era de madeira e ferro. Arrancou-a dos braços divinizados e atacou o cadeado, antiquíssimo por sinal. Seu coração foi derretendo e acelerando conforme ele ouvia os passos apressarem em direção ao guincho metálico.
___Sem demora o cadeado cedeu e o moço jogou a lança para o alto, abrindo impetuosamente a porta pesada a atravessando-a.
___'Ah, não...' sibilou, amuado e infeliz, quandou mirou altas sebes labirínticas e serpenteantes. Ouviu um baque seco atrás de si e ao voltar-se viu que saíra de uma passagem que desvanecia entre as folhas impecavelmente podadas.

16 janeiro 2008

Um Conto a Quatro Mãos (II)

Convido-os a observarem uma escrita experimental a quatro mãos e dois cérebros. Aqui segue a continuação do texto que iniciado no blog 'Amortescimento' pelo ilustríssimo Tuma. Desfrutem se tiverem paciência ;)
Seguiremos com esse projeto indefinidamente, aqui e acolá, então, sorte aos navegantes!

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___(...) A coroa de espinhos do moço pregado mais adiante e o oceano de caquinhos bruxuleantes vítreos no jovem moço. O sofrimento palpável por cegos em comunhão entre seus semblantes inanimados, onde o silêncio emanava putrefato por entre as homofônicas colunas de blocos harmônicos perfeitamente pétreos. Haviam rasgos escarlates na carne branca-rosada tenra como a barriga de uma tartaruga filhote que se arrasta na lixa molhada de areia. Rasgos ferinos sorridentes sulcados naquela alvura resplandecente, cadavérica como o silêncio, eles se mexiam ao resfolegar suave do corpo caído (discípulos daquele tal de Lucifer? o pobre coitado que caiu primeiro e muito mais do que aquele ali, estatelado no interior úmido da casa de Deus).
___Passou-se um tempo, mal percebido pela catedral centenária indignada e ferida, muito menos pelos santos pintados e esculpidos que o quedado confundira com pessoas falantes que se aglomeravam ao seu redor feito leucócitos em volta de microrganismos invasores. Meros instantes trincados quebrados em segundos como aqueles caquinhos que floresceram ao redor do moço desmaiado. Após este tempo, os fragmentos translúcidos ondularam num sussurrar suave e o moço, aquele lá no meio daquela vidraçaiada toda, se mexeu resmungou xingou e sentou, chiando de dor por aqueles pedacinhos pontiagudos cutucarem seus glúteos magoados e humilhados com sádica determinação. E escorreu mais tempo até aquele infeliz resolver botar-se de pé e cambaleante torto rasgado e furado dar seus primeiros passos adiante - conceito muito relativo para alguém que mal enxerga por onde anda, com todo aquele sangue meio envidraçado cintilando no rosto. Ele, todavia, andou.