27 abril 2008

Ultimamente...

Tava querendo sentir mais, respirar mais.
Mas essa carruagem só traz gás carbônico.

12 abril 2008

Um Conto a Quatro Mãos (XII)

"Who will walk through the mirror door 
Will there be music, or will there be war?" - The Who
____

///Com os braços repletos delas e dos bolsos espiando outras, um homem veio andando à frente, com suas doces cobras de olhares faiscantes; logo atrás veio uma senhorinha de mãos dadas com uma pequena criança carregando três bonecas ruivas apertadas junto ao peito. Passando por todos numa velocidade irregular, um senhor andava rápido e muito devagar, com o olhar perdido em algum ponto além. Acompanhado de um tilintar irritante de um colossal molho de chaves vinha uma figura magérrima e encurvada; os pontos negros encovados sobre olheiras crônicas fitavam o garoto que andava ao seu lado batendo fortemente os sapatos barulhentos no chão, ouvindo algo no walkman e munido de brinquedinhos de cachorro - dos que fazem 'fyííí'. Dois homens imundos carregavam um terceiro, estático com os braços esticados pra cima, rígido como um aspargo. Um quarentão impecável conduzia um adolescente de olhos vendados; o canto de sua boca tremia e ele parecia se concentrar em não olhar para o conjunto que fedia à sua frente. Por último, seguia tímida uma jovem com uma pasta debaixo do braço e no colo uma pequena garotinha que ressonava tranqüilamente.
///Um cheiro incômodo se infiltrou nas narinas sofridas de Meinfreund. O Anfitrião fechou o espelho com um cutucão da bengala e com a voz cristalina fez-se ouvir sobre os sapatos que pisavam em sua voz como pisavam no piso de tacos de madeira.

"Ei! venham por aqui, minhas crianças

Vamos à sala, peço-lhes urgência
Vamos à sala, sem tardança
Rapazes, cuidado com o Aspargo (dai-me paciência!)

Temos assuntos a tratar
Pela sala sairemos
Iremos para um belo lugar
E pela sala voltaremos

Sigam para o espelho do próximo ambiente
Encantar-se-ão com o nosso destino
Mas à caminho, meus amores, é urgente!
Luís, seja os olhos de Estrôncio! Por São Peregrino!"

\\\O adolescente de olhos vendados tropeçou numa irregularidade do tapete, sendo amparado pelo quarentão, que balbuciava desculpas. A Anfitriã lançou à Amicomio um olhar convocador.

11 abril 2008

Violinista.

Estava no mais frenético deslizar de dedos convulsos pela superfície preta e branca, em fortissimos e pianos, com o suor brotando dos poros, a face encabrunhada pela concentração sofrida. Sobre o final acorde, de fermata encabeçado, ele afastou os braços ainda vibrantes de esforço, com rapidez. Levantou-se do banco metendo-se debaixo do chuveiro de água fresca e da sombra da madrugada, ao apagar a luz.
O líquido invisível escorria sob sua pele.
E lá estava ele, de pé diante de uma multidão espectadora, aguardando de olhos vidrados. Cortinas vermelhas insinuavam-se na periferia de sua visão, e suas mãos seguravam uma lustrosa e leve peça de madeira. Pasmo, encarou todos aqueles homens elegantemente vestidos e mulheres de leques floreando. Vestido num terno bem ajustado, ele viu o fatídico problema, surgido em suas mãos, a ser consumado por um arquejar de crina de cavalo. Os dois fs o fitaram, inexpressivos. Onde estava o luzidio instrumento de cauda esparramada? Mai ha preso un violino per suonare. Come se fa adesso?
Pensamentos interpelavam-se à caminho da boca, que para não entrar moscas permaneceu bem fechada. De música, só o piano. Que raios faria com um violino na mão e um teatro esperando?
Um movimento furtivo captou-lhe a atenção. Um colega de piano, mirrado e tímido, entrou no palco carregando singelamente uma estante com uma imodesta partitura. Postando-a constrangido na sua frente, murmurou um constrangido 'sie ist einfach' sumindo em seguida. Sua mente registrou algo como 'pra você essa é bico'. Ele encarou a única clave e a enchente de notas, apreensivo. Posicionou o violino junto ao pescoço e preparou o arco. O teatro suspendeu a respiração. Pensando merda, falou scheisse e imaginando teclas, atacou as quatro cordas num fortissimo in-fusivo. Despejou a melodia galopante repetindo mentalmente que não sabia tocar violino e seu instrumento era piano. O som atravessava seus ouvidos sem deixar vestígio de continuidade. Mas o piano, o piano, só o piano...
A água começou a esquentar, sobressaltando-o. Um suave ronco interrompeu-se em sua boca. Tinha uma pedra sabão firmemente segura na altura do ombro.

(baseado num sonho real :])

06 abril 2008

Crise

Ela chegou um dia naquele ponto em que a consciência se torna pungente sobre todas as decisões que tentam se passar despecebidas, inconscientes; feito cachorro que tenta entrar em casa para pegar alguma guloseima que caiu no chão, tentando não despertar a atenção do dono que faz o almoço. Quando não se tem mais o 'sem querer'. Chegou ao ponto de controlar perfeitamente o humor, feito titereiro com a marionete da própria personalidade, do próprio corpo, de si mesmo. Explorou os limites até tê-los todos mapeados, delineados com perfeição.
Mas a paz que deveria chegar com essa sapiência, se perdeu no caminho.
Como se houvessem dois seres pensantes dentro de uma só carcaça, um submisso ao outro. Quando o pobre-coitado tenta timidamente se mover, se erguer, sussurrar, o senhor-racional lança um olhar canto-de-olho beligerante, numa incansável imposição mental entre o dominador e o dócil dominado.
O esgotamento se instalou nela, ao perceber cada motivo de todas suas ações pensamentos coisas estúpidas banais. Clamou por paz, dada a irreversibilidade da situação. Ela chorou para ser menos indecisa, insegura e triste.
O triste fado da constestação finalmente soltou todo o seu peso sobre os seu frágeis ombros, afundando-a num oceano chumbo de perguntas sem resposta, de relacionamentos capengas, de horizonte cinza.
Ela suspirou, entorpecida, em seguida mexeu os dedos gelados de frio que roçavam no piso onde estava sentada, encarando o escuro.