07 julho 2022

The sunday that followed that friday 13th

 In maurice, forster writes
"because i say so little you think i don't feel. i care a lot"
as a bloody huge moon rises as we
ride through maurice ave
as the full moon hides in the sunday that followed that friday the 13th
a feeling shies in the back of the car
as my mind glides through chilly empty blocks in maurice
avenue there's talking in the front seats muffled 
by the glinting eyes of a scared dog that
ogles me as we drift
silently among stirring breaking screeching 
caring passengers of bloody orbits
carrying sounds that slip past us
and leave no trace but a faint absence

In that sunday that followed the friday 13th
i cared for a fearful dog
as we slid through maurice ave
deaf with thoughts and taiwanese songs
drifting back and forth the bloody ever smaller 
moon

may-jul/2022

20 janeiro 2022

corporeal

 Um corpo é só um
    corpo -
And yet, the way
    your body moves
    feels faintly connected
        as if minute cobwebs stretched 
        all the way down
        to mine.

A body 
    is just a body.
Ainda assim, seu corpo
    se move esgarçando teias
    dispostas ordenada e
        ubiquamente
    para mantê-lo no seu
        respectivo
        lugar.
 
Um corpo é
    just a body
but the way it performs itself
    desatento aos fios e repuxos
    desafrouxa alguns nós e
        os transforma em ninhos.
 
A body só é
    um corpo
mas torná-los dois, reconectando-me
    ao teu
    engulfs me.
And I can't even feel
    all these ties trying to
    drag us down.

13 janeiro 2022

Entretelas

Desencontramos vistas.
Muito temos nos olhado.
Te vejo, me vês, 
mas não te encaro
    (para uma comunidade fixada em
        olhares sinuosos e eloquentes
        é como perder a língua,
            o tato).

Não sinto daqui o 
    frêmito mal contido sob tua pupila
que dilata e me engole,
    como se fosses Gulliver e eu, uma lilipute
    (mas basta dessas metáforas colonialistas
        - a ti vou me dando,
        enquanto me cedes tu).

Sinto os estremecimentos da conexão
    tua voz em formato .midi,
    e erráticas oscilações da rede.

Sinto a falta, o vazio
    a ausência embaixo do cobertor
    — Mas sou assaltada, inesperadamente
        pela textura da tua pele
            a tridimensionalidade da tua figura
            que pula de um pedaço de tela 
                                (ou de papel)

Me queimas a roupa,
    sobra o desejo
    chamuscado de lembrança.

26 agosto 2021

rummy

I play my heart cards close to my chest, one
hand firmly holding its smooth yet cold edges, another
dropping to their lap
to rest and warm my fingertips.

Diamonds twinkle in their glasses
as their eyes look through me and assess my hand.
They flicker back and
discard some spades.

I draw a club.
I sigh out its heaviness,
detach its utility from my chest
and shed it off.
But the hearts remain still
encased and
away from their glinting eyes.

I'm almost out of discards
and my options are always narrower.
But this heart meld won't be in disarray
(i tell myself),
it'll be either under my firm grasp
(close, so close to my chest)
or laid off on the table, bare for their flirting appraisal.
Soon, i think.

But then they meld their cards away,
its diamonds scattered through the plain
surface, their face conclusive:
a shy heart game, a shed club
and that is all.

I keep my heart cards close to my chest, but
they win, so they take my hand and my hearts with it.

08 abril 2021

anticipation

i just wanted to
kiss your eyelids
gently
caress your lips with my
thumb

as i slowly
brush your shoulders
wandering down
toward your
omoplates

or maybe
stroke your faintly colored
hair
and feel it
tickling
against my fingertips

and then

but we're far far apart
and i haven't as much as
kissed you hi yet
our mouths are always touching
masks and fogging our glasses
and when we reach out into each other
is always through
books and words and
feelings

often songs
but hardly spoken words

yet, sometimes i permit myself to
long for your bare skin slipping
warm
(maybe chilly, maybe wet)
against
mine

17 março 2021

Formas de marcar o tempo


Subtrair doze minutos do contador do microondas
- que corre mais que
as pernas dos segundos -
rubato

saber do número de mortos do dia
do mês da 
pandemia
pesante

contar os comprimidos restantes da cartela
ritenuto

ouvir os chamados da cachorra para a noite se nos debruçar 
e com ela o tropel descompassado
de andante noturno
presto

descartar o relógio de movimento
que parou na semana 1 ano 1
fermata

sentir o pó sobre a superfície de trabalho
ritornello

ouvir o caminhão hospitalar
esfregando a entrada de pedestres
na descalada da noite
sforzato

calcular o tempo
temperatura gramatura
do impasto
a tempo

desenhar agendas semanais
às segundas
para ir riscando
tarefa-a-tarefa-a-periodo-a-periodo
da capo

20 março 2020

mãe, valter hugo. a máquina de fazer espanhóis

(...) e ele queria saber se estar bem era andar de trombas. eu respondi que o tempo não era linear. preparem-se sofredores do mundo, o tempo não é linear. o tempo vicia-se em ciclos que obedecem a lógicas distintas e que se vão sucedendo uns aos outros repondo o sofredor, e qualquer outro indivíduo, novamente num certo ponto de partida. é fácil de entender. quando queremos que o tempo nos faça fugir de alguma coisa, de um acontecimento, inicialmente contamos os dias, às vezes até as horas, e depois chegam as semanas triunfais e os largos meses e depois os didácticos anos. mas para chegarmos aí temos de sentir o tempo também de outro modo. perdemos alguém, e temos de superar o primeiro inverno a sós, e a primeira primavera e depois o primeiro verão, e o primeiro outono. e dentro disso, é preciso que superemos os nossos aniversários, tudo quanto dá direito a parabéns a você, as datas da relação, o natal, a mudança dos anos, até a época dos morangos, o magusto, as chuvas de molha tolos, o primeiro passo de um neto, o regresso de um satélite à terra, a queda de mais um avião, as notícias sobre o brasil, enfim, tudo. e também é preciso superar a primeira saída de carro a sós. o primeiro telefonema que não pode ser feito para aquela pessoa, a primeira viagem que fazemos sem a sua companhia. os lençóis que mudamos pela primeira vez. as janelas que abrimos. a sopa que preparamos para comermos sem mais ninguém. o telejornal que já não comentamos. um livro que se lê em absoluto silêncio. o tempo guarda cápsulas indestrutíveis porque, por mais dias que se sucedam, sempre chegamos a um ponto onde voltamos atrás, a um início qualquer, para fazer pela primeira vez alguma coisa que nos vai dilacerar impiedosamente porque nessa cápsula se injecta também a nitidez do quanto amávamos quem perdemos, a nitidez do seu rosto, que por vezes se perde mas ressurge sempre nessas alturas, até o timbre da sua voz, chamando o nosso nome ou, mais cruel ainda, dizendo que nos ama com um riso incrível pelo qual nos havíamos justificado em mil ocasiões no mundo.

22 setembro 2019

Tenho olhos

tenho olhos cansados
da luz desnuda dos corredores
e salas
intermitente pelos que vão e vem
- esses que às vezes se demoram
pelos umbrais
fazem hora
bloqueiam a claridade
e assim que se vão
ofuscam

too bright a sight.

tenho os olhos cansados
das telas das telas das
telas
das letras monitores e devices
de versos ocos
de Hefestos manco

meus olhos, de cansados
ardem
desfocam, embaçam
veem fantasmas pelos cantos
figuras e vultos impressos na retina
(esses nem sei se desbotam)
mas veem ipês escondidos
e pitangueiras em flor.
nessa hora, descansam

no mais, secam
no vapor árido dos escapamentos
latejam ao compasso dos freios
arranques e buzinas

pestanejam
fecham e
reabrem, cansados.

01 abril 2019

Libertate Kalea

A liberdade em Bilbao é uma rua estreita e
curta
onde não passa carros
nem mulheres de salto alto

os prédios são velhos e descascados
e não há muita luz
além das bitucas acesas dos transeuntes.

Cá os pedestres andam sem por reparo onde pisam
com a cabeça em seu destino
ou na roupa que deixou estendida
- não costuma chover em março
mas essa umidade...

o trânsito é esparso
sem cachorros ou pedintes
que preferem as ruas mais movimentadas

a liberdade, ali, é uma rua
miúda
um mísero quarteirão
que morre na rua dos fabricantes de guarda-chuva

26 novembro 2018

Dear John,

Some weeks ago I wrote you a letter
it felt like running backwards
to a time and place that bore little resemblance to what I thought I was
for that I used to travel so much
through words and images and symbols
I scarcely felt alone
as I was constantly moving and had hordes of characters hanging around.

Living since has been feeling like stepping further into a sticky
stinky slimy mud
Entering the Nothingness of a world of
reasonable thought and (sometimes polite) savageness
in which all my fellows cannot follow me.
I think I disgust them
all covered in realistic boredom and
crude stillness.

Dear John,
Sometimes I feel the urge of writing
but it soon fades
as so many people and creatures did
(you included)
then I am assaulted by shame
and embarrassment
of being unable to cope with this evermounting
reality
Also, incapable of fantasizing
I've turned you, so concrete and real (somewhere
out there)
into an old phantom

(maybe this time you won't disappear when needed)

12 julho 2018

On unvegetable plants


Some weeks ago I bought a plant. A succulent, to be precise. The uncheerable office would at least have a cute, though rather boring, being.  Boredom should be displayed at the office entrance, instead of its untrue name. “Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate”. Strip it off, it shall be useless, and a burden.
So, within those barren brittle walls I have spent quite a lot of time, breathing judicial thickness, mites and dust. Preventing myself from leaping to find open air – which is easy enough, once the windows are sole glass panels, inopenable. Trying to imprint some sense in the anguish that spreads through the central air.
I was pretty satisfied with my succulent, which, to me, had shown signs of adapting quite well to the unfriendly place. Watering twice a week, and leaving it in the parapet during the weekends, I had the impression that it was actually growing, happy to leave a dull shelf in the supermarket.
Today however I was surprised by the assertive analysis of two colleagues that declared that that was no plant. It’s fake, they peremptorily stated.  Bewildered, I examined it. I had already watered, cherished, caressed. An unvegetable plant.
Unconvinced, but hurt all the same, I refused to tear a leaf and settle the matter. It would not make a difference. Stunned by being incapable of differentiating a living thing from a piece of plastic.

15 junho 2018

02 outubro 2017

DRUMMOND, C. A hora do cansaço

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho eterno fica esse gosto acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

19 fevereiro 2017

MARQUES, A. M. Tenho quebrado copos

Tenho quebrado copos
é o que tenho feito
raramente me machuco embora uma vez sim
uma vez quebrei um copo com as mãos
era frágil demais foi o que pensei
era feito para quebrar-se foi o que pensei
e não: eu fui feita para quebrar
em geral eles apenas se espatifam
na pia entre a louça branca e os talheres
(esses não quebram nunca) ou no chão
espalhando-se então com um baque luminoso
tenho recolhido cacos
tenho observado brevemente seu formato
pensando que acontecer é irreversível
pensando em como é fácil destroçar
tenho embrulhado os cacos com jornal
para que ninguém se machuque
como minha mãe me ensinou
como se fosse mesmo possível
evitar os cortes
(mas que não seja eu a ferir)
tenho andado a tentar
não me ferir e não ferir os outros
enquanto esgoto o estoque de copos
mas não tenho quebrado minhas próprias mãos
golpeando os azulejos
não tenho passado a noite
deitada no chão de mármore
estudando as trocas de calor
não tenho mastigado o vidro
procurando separar na boca
o sabor do sangue o sabor do sabão
nem tenho feito uma oração
pelo destino variado
do que antes era um
e por minha força morre múltiplo
tenho quebrado copos
para isso parece deram-me mãos
tenho depois encontrado
cacos que não recolhi
e que identifico por um brilho súbito
no chão da cozinha de manhã
tenho andado com cuidado
com os olhos no chão
à procura de algo que brilhe
e tenho quebrado copos
é o que tenho feito

13 fevereiro 2017

BELLI, G. Conselhos para a mulher forte

Se és uma mulher forte
te protejas das hordas que desejarão
almoçar teu coração.
Elas usam todos os disfarces dos carnavais da terra:
se vestem como culpas, como oportunidades, como preços que se precisa pagar.
Te cutucam a alma; metem o aço de seus olhares ou de seus prantos
até o mais profundo do magma de tua essência
não para alumbrar-se com teu fogo
senão para apagar a paixão
a erudição de tuas fantasias.

Se és uma mulher forte
tens que saber que o ar que te nutre
carrega também parasitas, varejeiras,
miúdos insetos que buscarão se alojar em teu sangue
e se nutrir do quanto é sólido e grande em ti.

Não percas a compaixão, mas teme tudo que te conduz
a negar-te a palavra, a esconder quem és,
tudo que te obrigue a abrandar-se
e te prometa um reino terrestre em troca
de um sorriso complacente.

Se és uma mulher forte
prepara-te para a batalha:
aprende a estar sozinha
a dormir na mais absoluta escuridão sem medo
que ninguém te lance cordas quando rugir a tormenta
a nadar contra a corrente.

Treine-se nos ofícios da reflexão e do intelecto.
Lê, faz o amor a ti mesma, constrói teu castelo
o rodeia de fossos profundos
mas lhe faça amplas portas e janelas.

É fundamental que cultives enormes amizades
que os que te rodeiam e queiram saibam o que és
que te faças um círculo de fogueiras e acendas no centro de tua habitação
uma estufa sempre ardente de onde se mantenha o fervor de teus sonhos.

Se és uma mulher forte
se proteja com palavras e árvores
e invoca a memória de mulheres antigas.

Saberás que és um campo magnético
até onde viajarão uivando os pregos enferrujados
e o óxido mortal de todos os naufrágios.
Ampara, mas te ampara primeiro.
Guarda as distâncias.
Te constrói. Te cuida.
Entesoura teu poder.
O defenda.
O faça por você.
Te peço em nome de todas nós.


Gioconda Belli, Nicarágua, 1948
(tradução de Jeff Vasques)