10 dezembro 2016

año de la niña

cariñita,
finalmente o calor chegou
um pouco tímido umas semanas atrás
mas agora com força total

o eterno presente se arrasta
um monstrengo que irradia calor das banhas que brotam aos borbotões conforme caminha
homeopáticos um passo por dia.

há mini baratas subindo pelas paredes do ônibus
sáunico
em pleno sábado, 23h
tentamos passar desapercebidas uma a outra

quantas baratinhas teriam caminhado pelo banco
que sento nessa minissaia desconfortável?

pela janela
um segurança de bar avista
uma guria miúda no ônibus
brilhante de suor e lágrimas

ternura? pena? desdém?
zombeteiro ou não
há desconhecidos que veem muito além
do que creem ser possível os melhores
os inseparáveis
concentradíssimos nos próprios umbigos besuntados de suor
defumados por um cachimbo qualquer.

cariñita, esse presente balofo
sentou em cima e amassou meus passados recentes
me comprime contra essa parede
chacoalhante do ônibus
por onde sobe uma baratinha
(ela ainda finge que não me vê).

04 outubro 2016

desenlace

i

alecrim
alecrim dourado
morria lentamente no vaso

alecrins, na realidade.
Duas mudas
se afogavam mutuamente naquele
cilindrículo
agarradas
bracing themselves (for..?)

raízes escapavam pelos furos do prato
procurando na sala - estéril
burguesamente limpa
cheirando a lavanda
(ainda vão me explicar por que o ser humano
conferiu a esse cheiro medonho
a alegoria da pulizia)
- espaço
água, comida

reivindicações bastante fundamentais, diria.

ii

o terrível da palavra
é a incapacidade de transmitir sons
(eles encerram tanto em si
que a letra parece sempre meio morta)

pois
enfiando a pá no vasinho
vi-me incapaz de não despedaçá-las
urlavano, poveracce
com um som de tecido rasgado
sofriam
completamente enrodilhadas
e protegidas por uma bola de argila escorregadia

em determinado momento duvidei de que eram mudas diferentes
e que não eram mesmo uma coisa só e eu estava matando meu alecrim
(que não nasceu no campo mas num vaso, eita vida infeliz)
arranquei as raízes para procurar seus corpinhos
e de fato eram duas
mortalmente abraçadas, sufocando

vacilei
poxa mas será mesmo necessário
tudo isso eu posso só passá-los para um vaso maior e pronto

antes que perdesse totalmente a coragem segurei-os com firmeza e puxei
o som foi medonho
a hideous cracking noise
algo estava irremediavelmente destruído

alquebradas, não consegui convencer-me a não plantá-las lado a lado
desejando não tê-las matado na operação
uma, outra, ou ambas.

29 setembro 2016

12 setembro 2016

CORSALETTI, F. Notícia

uma coisa é a mãe que acorrenta o filho de onze anos
viciado em crack
à sua cama miserável
para evitar uma tragédia
outra é rodar os sebos de Pinheiros
atrás dos poemas de Villon
e voltar para casa
com uma novela sobre um urso

uma coisa é a mãe que acorrenta o filho de onze anos
porque quando fica louco
ameaça a irmã com uma faca
e bebe perfume se não tem birita
outra é passar duas horas num engarrafamento
conversando com um taxista irritado
que garante que antes do Viagra
as ruas eram cheias de mulheres casadas
procurando sexo

uma coisa é a mãe que acorrenta o filho de onze anos
por desespero
e sem temer um processo
outra é faltar ao trabalho
por ter cheirado cocaína a noite inteira
ouvindo Bach
e falando merda

uma coisa é a mãe que acorrenta o filho de onze anos
é presa e diz
que não se arrepende de nada
pois seu menino é seu tesouro
outra é esquecer o aniversário
de uma amiga querida mas neurótica
que não perdoa quem não telefona
para lhe dar os parabéns

29 agosto 2016

à livre opção sexual

não quero enfrentar minha família
vamo mais rápido que tem uns caras estranhos atrás da gente
beija eu, não beija ela
vocês não tem vergonha?!
fala mais baixo, é minha mãe
nossa mas boceta fede, como você consegue
ela é só uma amiga
deus me livre de namorado
pelo menos você não precisa se preocupar com contracepção
nossa mas você nem parece
não, que eu saiba não tem profilaxia
até eu pareço mais fancha que você
todas nós estamos sozinhas, não é exclusividade
você era mesmo meio moleque
precisamos defender a livre opção sexual
aaa..o meu ex- era de lá também

hoje é dia de

30 julho 2016

dés connexions

ontem recebi um
não, 4
cards de dragão
gostei mais do último, disse a Carlos
é mais bonito
mais forte
e se chama Cosmo.
É porque é um dragão adulto, respondeu

muitos kms depois
com um copo de bebida
cafonérrima de roupão e computador
assistia a uma criança de pijama de urso e computador
WEIRD
    Layer: 01
fraca e sem entender
GIRLS
    Layer: 02
por onde for,
everyone's connected

além dos dragões ganhei também
algodões
sementes, evidentemente
(e uma penca de bananas-prata
muitos adeuses e atés)
pus-me a plantá-las
na pracinha da quadra

- tá plantando, moça?
aham, algodão
e o guri seguiu descendo paras quadras

everyone's connected
and you don't seem to understand

o pulso
o pescoço
ainda doem
4650 de defesa não parecem suficientes, Carlos
feeble as shit, desculpe o termo
e não repita por aí, é feio
coisa de

29 julho 2016

LEMINSKI, P. minhas 7 quedas


minha primeira queda
não abriu o pára-quedas

daí passei feito uma pedra
pra minha segunda queda

da segunda à terceira queda
foi um pulo que é uma seda

nisso uma quinta queda
pega a quarta e arremeda

na sexta continuei caindo
agora com licença
mais um abismo vem vindo

26 julho 2016

LEMINSKI, P.


sabendo
que assim dizendo
- poema -
estava te matando
mesmo assim
te disse

sabendo
que assim fazendo
você estava durando
foi duro
mesmo assim
te trouxe

mesmo assim
te fiz
mesmo sabendo que ias
fugaz
ser infeliz
sempre infeliz

mesmo assim
te quis
mesmo sabendo
que ia te querer
ficar querendo
e pedir bis.

05 julho 2016

Freitas, A. Ravel

Todo telefone é terrível – negro
guerrilheiro à escuta na sala
disfarçado ao lado do sofá
à espera, no gancho
sempre na véspera
com o grampo da granada
já nos dentes.
A única saída é ocupá-lo
para que não estoure
(não posso te agarrar daqui
nem pelos fios dos cabelos
pare antes que toque
e o infinito acabe).
Todo terrível é telefone – negro
à escuta
guerrilheiro à espera
ao lado do sofá
disfarçado na sala
na véspera da granada
com o grampo nos dentes fora do gancho
ocupando a única saída
para que não estoure
(não posso nem pelos cabelos
antes que acabe e toque
o infinito, te agarrar, nos fios, pare
daí)

30 junho 2016

meu cérebro não é dotado de muitas abstrações

não é de metáforas bonitas
ou imagens poéticas
para o que há aqui dentro

não vai muito além de
(raiva
saudade
frustração)
escritos juvenis para
tentar aplacar essa coisa

que habita a sombra invisível que se senta ao meu lado no restaurante
ou que rouba os lápis e
guarda minhas chaves

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adormeço
e acordo sobressaltada com o ruído de gotas do celular
tão artificiais quanto as pedaladas fiscais do governo pt
passing resemblances to the original thing

hai 2 nuovi messaggi

arco íris e socialismo

hai 3 nuovi messaggi

desligo o wi-fi.

29 junho 2016

Leminski, P.

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

24 junho 2016

ANDRADE, C. D. Estrambote melancólico

Tenho saudade de mim mesmo, sau-
dade sob aparência de remorso,
de tanto que não fui, a sós, a esmo,
e de minha alta ausência em meu redor.
Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
e tenho muitos outros sentimentos
violentos. Mas se esquivam no inventário,
e meu amor é triste como é vário,
e sendo vário é um só. Tenho carinho
por toda perda minha na corrente
que de mortos a vivos me carreia
e a mortos restitui o que era deles
mas em mim se guardava. A estrela-d'alva
penetra longamente seu espinho
(e cinco espinhos são) na minha mão.

21 junho 2016

CAMPOS, A.

Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...

Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?

20 junho 2016

WISNIK, J.

te ver é vertigem
pensar é miragem
se o tempo parasse
guardava essa imagem
mas ele'a-ca-bou-de-pas-sar

02 junho 2016

Ela tem passado bastante tempo nessa janela, hein, comentou Ab, se divertindo com minha minúcia em limpar o LP antes de colocar a agulha. Sentado no parapeito, ele deu seus três tragos antes de expirá-los, também em tríade.

Uhm. Um som choroso invadiu o ar.

E você anda um bocado obcecada com essa Opfer, tudo isso é ela?

Capaz. Esse cânon não pára de tocar.

Perpetuum, riu ele. Lembro-me quando ele terminou a Musikalische Opfer, sujeito interessante, ele era. Um pouco excêntrico, como nós, Pequena. Pena que não vingou muito na época. Balançou a perna três vezes e pulou para dentro.
Olhou de esguelho para a guria antes de entrar. È lontan lontano, quella.

Eh, infatti. E come risona qua dentro.

Há essas mentes que vibram na mesma frequência - sabemos disso, não?

Eccome.

Estou faminto, minha querida, vou buscar algo. Apanhou a bengala e, descerrando três vezes a porta, saiu.


É, moça. Essas pessoas não nos deixam. Levantei para fechar os vidros e a cortina e me aninhei nas almofadas, ouvindo a agulha deslizar.

31 maio 2016

Abri as janelas e acendi o cigarro. Venta muito.

No prédio à frente há uma mulher parada diante da janela. A janela parece fechada, seus cabelos não se movem. Ela come algo de uma cuia, com palitos.

Hashi, me sussurra Ab. Aquiesço, me desvencilhando de sua lembrança.
Hashis, then.

Ela olha fixamente para algum ponto, encolhida como que fustigada pelo vento. Do lado de fora.

Dentro do seu aquário, ri Ab. Te lembra alguém?

Não me dou ao trabalho de responder.

Até as olheiras, Sib, olha ali...

Aham. Amasso a bituca e largo no parapeito. Fechando a janela para entrar, vejo-a pela última vez, imóvel, olhando para o nada.

Pior que parecia mesmo.

02 maio 2016

Já não há mais coração

A cólica reprimida pelos comprimidos, a dor das amígdalas pelo ardido do gengibre mascado, a dos ouvidos pela

zabumba q'bumba esquisito
batendo dentro do peito

Mas o tempo não se deixa enganar. Ele não sai pipocando atrás dos aflitos; segue seu próprio ritmo, e deixa a gente, iludido, achando que não tem jeito, que é assim mesmo.

E as dores abafadas como o trânsito do lado de lá do vidro. Presentes. Latentes.

13 janeiro 2016

A intimidade estava latente,

...Sib observou, enquanto bebericava aquele café com leite metido a macchiato. Um passo em falso e o passado desabaria sobre ambos. Parte dele, ao menos.
Para ele, uma chuva de verão. Para Sibilla, outro dilúvio.

A cumplicidade estava na curva da boca, pinicando. Mas o sorriso - ah, esse foi tão somente sarcástico.

11 janeiro 2016

SMITH, Zadie. On beauty

E será que ainda eram assim, ela se perguntou - essas garotas novas, essa nova geração? Ainda sentiam uma coisa e faziam outra? Continuavam desejando apenas serem desejadas? Continuavam sendo objetos de desejo em vez de - como diria Howard - sujeitos desejantes? (...) Ainda matando a si próprias de fome, ainda lendo revistas femininas que odeiam explicitamente as mulheres, ainda se cortando com pequenas lâminas em lugares que acham que ninguém notará, ainda fingindo orgasmos com homens de quem não gostam, ainda mentindo a todos sobre tudo.

p. 232