14 julho 2008

Um Conto a Quatro Mãos (XIV)

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"Minha meta, minha metade
Minha seta, minha saudade
Minha diva, meu divã
Minha manha, meu amanhã" - Lenine
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__Muitos olhos. Olhos demais, fixos nele, daquele jeito insuportável. Os ruídos retomaram-se, alvoroçados. Mas que raios..? Abaixou então os olhos para si, enquanto ouvia o Anfitriã entoar, por entre seus dentes perfeitos

''Ah, Mochara, não esperava isso de você''

__Houve uma pequena pausa. Sua aparência era idêntica a de instantes atrás.

''Huhuh, vejam só, que insistência
Sustentar por aqui este ar tão blasé
Deixe aqui fluir sua aparência
Tão verdadeira como essas que vê''


__Sua percepção corporal ao som deste cântico era periclitante, antes mesmo de seus olhos embaçarem numa estranha confusão mental. Rodopiava tudo, todos, numa totalidade embaralhada, de modo que achou ele melhor cerrar as pálpebras. Ao cabo de alguns instantes a balbúrdia foi acalmando, e Můjpřítel começou a sentir sua pele lisa; o vento deslizava como se escorregasse. Sua pelagem aparentava haver desaparecido. Sentia-se volátil como uma bexiga e leve, muito leve, como a sensação de um ébrio ao caminhar; parecia estar flutuando...
__Seus olhos focaram então em seu corpo. O esforço para enxergar a si mesmo parecia alongá-lo, se bem que aquele lugar era todo meio estranho... Viu-se então translúcido, quase transparente, com a luz trespassando-o e desprezando uma sombra tênue e tremelicante no chão. E o chão, seco e poeirento, encontrava-se longe de seus pés, ou de algo que deveria sê-los. Sua pele estava lustrosa, apesar de transparente.
__O Anfitriã encarou-o, divertido, puxando em seguida de sua veste uma corrente fina com um belo relógio de bolso, prateado. Fitou sua imagem e arregalou os olhos (ou seus correspondentes naquela situação estranhíssima), estupefato. A jovem do caderno sorriu, e a garotinha encarrapitada no Anfitrião anunciou, numa voz frágil e soprada 'Olha Sarah, ele parece um pepino!'. Sarah assentiu, e em seus brilhantes olhos Meumigo viu e aceitou que definitivamente era uma bolha. Um pepino-bolha.

4 comentários:

Tuma disse...

Méu Déééus... um pepino-bolha! Hhaaahhaa... muito bom. Aguarda novidades para breve.

Tuma disse...

Le: http://amortescimento.blogspot.com/2008/08/um-conto-de-duas-pessoas-xv.html

Dal Molin disse...

Meu Deus... Estou atônito que exista alguém que escreva TÃO melhor que eu.
Eu? Exagerando? Claro que não! Tenho até medo de mostrar os meus textos...

Dal Molin disse...

Repare como essa frase foi mal escrita.