31 janeiro 2009

estranhices.

__Ali, imersa naquele mar de pessoas desconhecidas, naquele lugar quase aleatório (friso o quase), estava uma garota – também desconhecida por todos – parecendo meio confusa. Ela se sentia como se um bolo de bosta grande demais tentasse passar pelo intestino, a dar aquela sensação de desconforto deslizando pelo abdômen. Ela estivera acompanhada por um casal que não parecia menos estranho; mas eles haviam entrado num portal sugador de gente, enquanto o pássaro-de-ferro que a sugaria se recusava a abrir a boca.
__Ela cantou baixinho, perambulou pelo corredor apinhado, foi ao banheiro; mas o nó não afrouxava, e a porra do avião não chamava para o embarque.
__Depois de mais músicas sussurradas, incontáveis pequenos gestos de impaciência, ela entrou, e assim que se acomodou no seu respectivo assento, o nó pareceu se dissolver; abstraindo a parte do estar a milhares de quilômetros longe, era como pegar um ônibus para a casa dos avós. A flying bus, indeed (and not for the grandpa’s house).
__Ela até dormiu (e acordou com a garganta a ranger de secura), comeu, leu, sentiu náuseas no ‘aterramento’ – tudo como de praxe. Nada muito fora do lugar, exceto a ausência do casal estranho.
__Ninguém a barrou, e alguns até a ajudaram com aquela mala quase do seu tamanho. O trem voou sobre os trilhos, o taxista falou bastante e ela chegou na casa de mais uma desconhecida (por ora), onde falou uma língua não-materna, com zilhões de erros e inconveniências; mas essa garota – nem tão desconhecida assim, para alguns – chegou no destino, sem extraviações de qualquer tipo.. nem mesmo de pasta de dente.
__E essa garota era eu (prazer).
PS. Hoje foi um dia estranho.

20 janeiro 2009

19 janeiro 2009

pésapados se emplastravam pelas poças, apressados; as pessoas passavam pela praça, expurgando nuvens mornas no ar.

um violão faceiro soava, debaixo do som da chuva.




pés
sapatos

fardos
pesados

fados

08 janeiro 2009

The Death of Maes Hughes

__Pluft Pong, é assim que Elysia Hughes me chama. Meço três palmos e meio, o que corresponde a sete décimos do tamanho de Ellie. Ao contrário dela - com seus seis invernos e alguns meses -, não tenho idade. Ela me fez branco como neve e sem um fio de cabelo sequer. Deu-me um chapéu cônico alvo como minha pele, vestiu-me com uma camisa e um bermuda de suspensórios, também brancos. Achou graça me colocar um enorme nariz redondo vermelho (parece que tenho um tomate no rosto) e me espremeu o máximo que conseguiu, de modo que eu me tornei um serzinho magricela e mirrado... mas, fazer o quê. Ela quis me fazer assim, então assim vim.
__Cheguei ao seu lado em meados do ano passado, quando o pai de Ellie começou a passar menos tempo em casa e mais tempo no trabalho. Nada indicava que ele estava fazendo algo arriscado. Como se amavam, esses dois... estavam sempre grudados como aquelas bolinhas de plantas que encarrapicham nas nossas roupas. Acho que só surgi porque Ellie precisava de companhia, durante as tardes que esperava o pai, brincando com formigas no jardim ou desenhando com giz na calçada. Eu sempre ria da mania de Maes de falar de seu tesourinho no telefone para desviar dos assuntos indesejados e despertar a fúria de seus superiores. Gracie, esposa de Maes Hughes, era muito carinhosa e atenciosa, mas me impressionava o carinho e alegria que pai e filha compartilhavam. Sempre era deixado de lado quando, ao cair da noite, Ellie corria escadas abaixo assim que ouvia a porta se abrir; mas nunca dei muita atenção para isso, adorava vê-los rolando juntos pelo tapete enquanto a graciosa mãe tricotava alguma coisa, com o tímido sorriso no canto da boca. Toda noite, depois do jantar, Maes levava Ellie no colo para a cama, onde contava histórias de brinquedos que criavam vida a noite. Assim que ele deixava o quarto, me acomodava entre os bracinhos de Elysia até o dia raiar.
__Mas houve então um fatídico dia, um triste dia. Maes saíra para trabalhar, no horário habitual. Ellie não notara, mas ele parecia um pouco mais tenso que o normal, embora sua face sempre se suavizasse ao observar nosso pequeno tesouro saltitante. Volta e meia passava a mão pelo escuro cabelo despenteadamente espetado ou ajeitava os óculos faiscantes. Ele deixou a casa. Brinquei com Elysia toda a tarde debaixo de sua cama, e a noite, dentro da banheira. A lua chegou, soergueu-se com sua cara redonda e branca (como a minha), encarando nossa casa com placidez.
__Depois do jantar, Ellie sentou-se numa poltrona ao lado da lareira e ficou olhando pela janela, comigo encarrapitado do parapeito (embora ela estivesse cerrada, penso que já mencionei minha silhueta). Esperávamos Maes. O tempo passou, tiquetaqueado pelo cuco e pelas afiadas agulhas de tricô de Gracie. Depois de um longo tempo, Gracie pegou o corpinho adormecido de Ellie e levou até nosso quarto, no andar de cima. Depositou-a com carinho embaixo das cobertas, deu-lhe um leve beijo na testa e se virou para sair do quarto enquanto eu me aconchegava entre os bracinhos de Ellie.
__Era meio da madrugada quando alguém bateu em nossa casa. Ouvi as pantufas da mãe arrastando pelos tacos de madeira, oscilantes. Desenlacei-me da pequena e preocupado, saí pela porta entreaberta. Escalei o topo do corrimão e com uma pequena empurradela, deslizei escada abaixo, caindo com leveza ao lado das canelas de Gracie. A porta estava aberta e do lado de fora havia um oficial com o mesmo uniforme de Maes. Ele murmurara algo enquanto eu aterrissava, mas tudo o que foi um soluço estrangulado da pobre mãe, e, ao olhar para cima, a vi de olhos arregalados, as mãos em concha na frente dos lábios e uma torrente de lágrimas escorrendo até o queixo e gotejando. Uma dessas gotas caiu em meu nariz. O homem colocou a mão no ombro da jovem viúva, num gesto que misturava genuína compaixão com um toque de automaticidade. Impactado, escalei as escadas e retornei aos braços de Ellie, onde aguardei que acordasse.
(...)

04 janeiro 2009

( . )

I feel empty.
It came so suddenly...

03 janeiro 2009

Kitty, kitty...

__Já estava tarde. Era a luz do poste que fraquejava diante da madrugada em potencial, ou eram os olhos obnubilados de Ray que pestanejavam como se arfassem dolorosamente. Ele se recostou na porta corrida de uma loja, fazendo um ruído de sofrimento metálico. Fez uma careta de insatisfação com o barulho e escorregou pela porta pichada até sentar-se. Ainda segurava uma garrafa semi-vazia de uísque, que levara embora ao sair aos uivos da casa da namorada.
__Seu estômago revirava-se, sua garganta ardia. Mesmo assim, aproximou o bocal e sorveu o líquido. Em seguida, arrotou. Suas pernas estavam trôpegas, e ele resolveu não tentar se levantar. Já não havia ninguém na rua, nem mesmo os costumeiros sem-teto. Ray suspirou e olhou para cima. O céu parecia veludo negro, não havia nenhuma estrela à vista; nem mesmo a lua sorria. Fechou os olhos e apoiou a cabeça na porta, que gemeu mais um pouco.

__Alguém que passasse por ali veria um jovem na faixa dos dezenove anos, vestindo jeans surrados, tênis imundos, com cabelos desgrenhados confundindo-se com a camiseta preta. Em sua mão jazia uma garrafa quase vazia.

__“Hello, Ray.”
__Ele abriu os olhos. Sua visão estava embaçada, então pestanejou algumas vezes, concentrando-se em discernir quem lhe falara. Defronte de si não havia ninguém, nem dos seus lados. Pela rua vinha vindo um pequeno vulto, andando sem pressa. Ray franziu a testa. It was a cat.
__ Ele bufou enquanto passava a mão pela testa, afastando os cabelos acortinados do hematoma que se alastrara pela maçã do seu rosto.
__“Are you trying to avoid me? What a silly boy…” The voice was closer, although nobody was there. E por que raios alguém estaria falando inglês, em plena Francisco Glicério, de madrugada?
__Ray tentou levantar-se, apoiando na indignada porta comercial. Ela guinchou. Seu cérebro registrou uma considerável mudança na viscosidade do chão, traiçoeiramente balouçante.
(...)

01 janeiro 2009

All is quiet, on new year's day...

__He whispers in my ears with softly kindness. The rain shuts up the fireworks's booms, and a low sound of an harmonica echoes, smoothly. No one stayed in the flats, all of them had rather go to the beach, jump seven (in the case of Laerte's God, only six, 'cause He rests in the seventh) waves.
__The world began, again. And I'm just here, quite reckless about the blow of events, just having tickles in my ears, wondering about something rather inconceivable.
__This almost emptyness of thoughts, this sensation of floating in something warm and velvet is quite pleasant, even with a touch of gloom.