Barulho de porta fechando. Suspiro de desalívio. Uma mulher se aproxima. Há uma enorme confusão de panelas pratos talheres e gordura. Todas as manifestações de gordura imagináveis. Gordura flutuando, gordura grudada, gordura embasbacada, gordura gordura gordura. Ela olha a pia. Exala um ar profissional. Apanha a chaleira em cima do fogão e enche d'água. Acende a boca de fogo e afasta-se. Abre a janela, volta.
O bule assovia. A mão apanha-o e derrama a água chiando nas pilhas incomensuráveis (que exagero, é só louça suja). Senta e espera. Levanta, apanha a esponja, enche-a de detergente e começa. Esfrega gira larga pega esfrega gira esfrega. A pilha vai mudando de posição, ordena-se, espalha-se. O trabalho é automático, ela ouve o filho ouvir música, o cão latindo, a vizinha gritando, o ônibus passando. A vida passando também e ela ali, tirando toda aquela gordura. Abre a torneira; a água corre, arrasta a comida pro ralo as bolhas a gordura. Fecha a torneira; apanha o pano. Enxuga gira enxuga enxuga cutuca sujeira esfrega põe na mesa. Repetida e infindavelmente. O cão vai volta e vai pela cozinha; espera a comida. A mulher larga o pano na cadeira e abre o armário debaixo da pia. Tira de lá um pote cheio d'água, despeja-o na pia e enfia de volta. Pega as panelas e coloca-as em volta do pote. Os pratos coloca no armário acima da pia. Os talheres vão para uma gaveta.
Louça derrocada: próximo passo. Sai pela porta da cozinha. Apanha uma vassoura e uma pá. Enxota o cão e vai para a sala.
2 comentários:
Gostei particularmente da parte do "exala um ar profissional", ficou muito foda.
A louça suja pode ser encarada como uma alegoria, correto?
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