30 junho 2008

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Ensaiou um passo leve, arrastando o pé em ponta pelo chão. Seu joelho doía. Manteve o sorriso no rosto e mudou o apoio. Ainda latejava, enquanto o rapaz sério e concentrado a espiava sentado no chão. Tinha o ar absorto em seus movimentos, fazendo sua boca secar e a pele queimar. A sala estava escura, vazia e lisa. Nada se movia, exceto sua tez esbranquiçada nadando em fluido. Procurou fixar o olhar em alguma coisa, mas tudo o que via era chão e paredes nuas. Esparsas janelas denotavam um céu noturno e fechado, ao ponto de ruína. Essa apoluição visual incomodava-a, não conseguindo manter o olhar em nada. Seus membros deslizavam e sua atenção recaiu novamente ao rapaz que a observava, consumindo seus passos. O tempo escorria entre eles, como o arco rascante numa corda. O clima era choroso, pesado como o céu, e sobre sua mente lamentava um violoncelo em opressiva melodia.
O moço levantou, sem dela tirar os olhos. Ela parou, defronte a ele, com os membros despidos relaxando gradativamente. A chuva começara.
Deu as costas e cobrindo a cabeça com o capuz do casaco, ele abriu a porta e saiu para o mundo, deixando-a entreaberta. Ela ficou ali, diante da poça que avançava lânguida. A máscara caiu de sua face, deixando escapar pesar que aparvalhava sua vista. Encolheu-se perante o ar gélido que percorria o corpo em baforadas suaves, e abaixando apanhou um grande moletom escuro para ocultar-lhe a pele pulsante.

2 comentários:

Anônimo disse...

A dor é menor quando a máscara cai de qual face: a nossa, ou a dos outros?

Não vou dormir pensando nisso. Teu texto me inspirou...

Nara disse...

"o verdadeiro artista, só retrata a si mesmo" - Bertolucci, em Beleza Roubada.