12 julho 2008

A Insustentável Leveza do Ser - Milan Kundera

__"A traição. Desde nossa infância, papaei e o professor nos repetem que é a coisa mais abominável que se possa conceber. Mas o que é trair? Trair é sair da ordem. Trair é sair da ordem e partir para o desconhecido. Sabina não conhece nada mais belo que partir para o desconhecido. (...)
__Mais uma vez, estava possuída pelo desejo de trair: trair sua traição inicial. Anunciou ao marido (não via mais nele um excêntrico, mas sobretudo um bêbado incômodo) que iria deixá-lo.
__Mas se traímos B., por quem tínhamos traído A., isso não quer dizer que vamos nos reconciliar com A. A vida do artista de quem se divorciara não se parecia com a vida de seus pais traídos. A primeira traição é irreparável, ela provoca, numa reação em cadeia, outras traições das quais cada uma nos distancia cada vez mais do motivo da traição inicial.
(.......)
__Já conhecemos a resposta: quando ela traiu seu pai, abriu diante de si uma longa estrada de traições e cada nova traição a atraía como um vício ou como uma vitória. Ela não quer ficar dentro da ordem e nela não ficará! Não ficará sempre na ordem com as mesmas pessoas e as mesmas palavras! É por isso que está transtornada com sua própria injustiça. Esse sentimento não é desagradável, ao contrário, ela tem a impressão de ter conseguido uma vitória e sente como se um personagem invisível a aplaudisse.
__Mas a embriaguez logo se transforma em angústia. Era preciso um dia chegar ao fim da linha! Era preciso um dia terminar com essas traições! Era preciso parar de uma vez por todas!
__Era noite e ela andava com um passo apressado na plataforma da estação. O trem para Amsterdã já estava à espera. Procurava seu vagão. (...)"

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