02 outubro 2017

DRUMMOND, C. A hora do cansaço

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho eterno fica esse gosto acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

19 fevereiro 2017

MARQUES, A. M. Tenho quebrado copos

Tenho quebrado copos
é o que tenho feito
raramente me machuco embora uma vez sim
uma vez quebrei um copo com as mãos
era frágil demais foi o que pensei
era feito para quebrar-se foi o que pensei
e não: eu fui feita para quebrar
em geral eles apenas se espatifam
na pia entre a louça branca e os talheres
(esses não quebram nunca) ou no chão
espalhando-se então com um baque luminoso
tenho recolhido cacos
tenho observado brevemente seu formato
pensando que acontecer é irreversível
pensando em como é fácil destroçar
tenho embrulhado os cacos com jornal
para que ninguém se machuque
como minha mãe me ensinou
como se fosse mesmo possível
evitar os cortes
(mas que não seja eu a ferir)
tenho andado a tentar
não me ferir e não ferir os outros
enquanto esgoto o estoque de copos
mas não tenho quebrado minhas próprias mãos
golpeando os azulejos
não tenho passado a noite
deitada no chão de mármore
estudando as trocas de calor
não tenho mastigado o vidro
procurando separar na boca
o sabor do sangue o sabor do sabão
nem tenho feito uma oração
pelo destino variado
do que antes era um
e por minha força morre múltiplo
tenho quebrado copos
para isso parece deram-me mãos
tenho depois encontrado
cacos que não recolhi
e que identifico por um brilho súbito
no chão da cozinha de manhã
tenho andado com cuidado
com os olhos no chão
à procura de algo que brilhe
e tenho quebrado copos
é o que tenho feito

13 fevereiro 2017

BELLI, G. Conselhos para a mulher forte

Se és uma mulher forte
te protejas das hordas que desejarão
almoçar teu coração.
Elas usam todos os disfarces dos carnavais da terra:
se vestem como culpas, como oportunidades, como preços que se precisa pagar.
Te cutucam a alma; metem o aço de seus olhares ou de seus prantos
até o mais profundo do magma de tua essência
não para alumbrar-se com teu fogo
senão para apagar a paixão
a erudição de tuas fantasias.

Se és uma mulher forte
tens que saber que o ar que te nutre
carrega também parasitas, varejeiras,
miúdos insetos que buscarão se alojar em teu sangue
e se nutrir do quanto é sólido e grande em ti.

Não percas a compaixão, mas teme tudo que te conduz
a negar-te a palavra, a esconder quem és,
tudo que te obrigue a abrandar-se
e te prometa um reino terrestre em troca
de um sorriso complacente.

Se és uma mulher forte
prepara-te para a batalha:
aprende a estar sozinha
a dormir na mais absoluta escuridão sem medo
que ninguém te lance cordas quando rugir a tormenta
a nadar contra a corrente.

Treine-se nos ofícios da reflexão e do intelecto.
Lê, faz o amor a ti mesma, constrói teu castelo
o rodeia de fossos profundos
mas lhe faça amplas portas e janelas.

É fundamental que cultives enormes amizades
que os que te rodeiam e queiram saibam o que és
que te faças um círculo de fogueiras e acendas no centro de tua habitação
uma estufa sempre ardente de onde se mantenha o fervor de teus sonhos.

Se és uma mulher forte
se proteja com palavras e árvores
e invoca a memória de mulheres antigas.

Saberás que és um campo magnético
até onde viajarão uivando os pregos enferrujados
e o óxido mortal de todos os naufrágios.
Ampara, mas te ampara primeiro.
Guarda as distâncias.
Te constrói. Te cuida.
Entesoura teu poder.
O defenda.
O faça por você.
Te peço em nome de todas nós.


Gioconda Belli, Nicarágua, 1948
(tradução de Jeff Vasques)

03 fevereiro 2017

l'astinenza

Mi manques
Na saída do samba
Na rua mal iluminada
Na sala alumiada
Defumante em perfil

Mi manchi
Em todos os pequenos momentos
Da Rosa ao despretensioso samba de sexta a noite
Nos descaminhos da noite
Que teimam a não virar rotina
Nos dedos embebidos em etílicos
Inverteradamenbte errantes

Amo-te no meu profundo desespero
Irremediavelmente
Na clareza funcional
Nas respirações das músicas

Breve
E indissolúvel

(Des)esperançosa
In-eterna expectativa

19 janeiro 2017

ARORA, M; DESHMUKH, T. Sometimes

I. Sometimes, love grows.

Sometimes, when love grows,
it does not run wild, like haphazard branches
of a tree you wanted to stand beside.

It does not unravel like a birthday present,
hidden deep under layers of suspense,
and adventure.

It does not swirl around the world like a rainbow,
celebrating first touches, accidental eye contacts,
and naked phone calls.

Sometimes, when love grows,
it grows like the lines of a poem which once marked
tombstones around your heart.

It sticks like a fresh bruise under your feet,
and makes you want to run,
behind butterflies and stars.

It grows like a seed in your throat,
every-time you gulp, it scalps a little skin,
and heart.

Sometimes, when love grows,
it outgrows you.


II. Sometimes, love dies.

Sometimes, love dies like the falling autumn leaves
That swirl in a storm
And before you know it, the summer is over.

Sometimes, love dies like the ever widening spaces in midnight phone conversations,
Just like the crackle over the line swallows your soul,
Love swallows you whole.

It’s musty rankness creeps up on you in the middle of your third dance,
When your lipstick begins to fade and the cocktail has gone stale.
Love fails.

Sometimes love reeks of broken dreams
And heaving, bruised promises.
It stinks of the clamor for survival against all odds. Though it boasts of battle sores,
Sometimes, love loses the war.

Sometimes love dies,
Fading away faster than the colours of the polaroid
That made love grow in the first place.

Sometimes, love renders lovers faceless.
Sometimes, when love dies,
It ends the lies,
Just so you can live a little.