04 outubro 2016

desenlace

i

alecrim
alecrim dourado
morria lentamente no vaso

alecrins, na realidade.
Duas mudas
se afogavam mutuamente naquele
cilindrículo
agarradas
bracing themselves (for..?)

raízes escapavam pelos furos do prato
procurando na sala - estéril
burguesamente limpa
cheirando a lavanda
(ainda vão me explicar por que o ser humano
conferiu a esse cheiro medonho
a alegoria da pulizia)
- espaço
água, comida

reivindicações bastante fundamentais, diria.

ii

o terrível da palavra
é a incapacidade de transmitir sons
(eles encerram tanto em si
que a letra parece sempre meio morta)

pois
enfiando a pá no vasinho
vi-me incapaz de não despedaçá-las
urlavano, poveracce
com um som de tecido rasgado
sofriam
completamente enrodilhadas
e protegidas por uma bola de argila escorregadia

em determinado momento duvidei de que eram mudas diferentes
e que não eram mesmo uma coisa só e eu estava matando meu alecrim
(que não nasceu no campo mas num vaso, eita vida infeliz)
arranquei as raízes para procurar seus corpinhos
e de fato eram duas
mortalmente abraçadas, sufocando

vacilei
poxa mas será mesmo necessário
tudo isso eu posso só passá-los para um vaso maior e pronto

antes que perdesse totalmente a coragem segurei-os com firmeza e puxei
o som foi medonho
a hideous cracking noise
algo estava irremediavelmente destruído

alquebradas, não consegui convencer-me a não plantá-las lado a lado
desejando não tê-las matado na operação
uma, outra, ou ambas.