11 abril 2008

Violinista.

Estava no mais frenético deslizar de dedos convulsos pela superfície preta e branca, em fortissimos e pianos, com o suor brotando dos poros, a face encabrunhada pela concentração sofrida. Sobre o final acorde, de fermata encabeçado, ele afastou os braços ainda vibrantes de esforço, com rapidez. Levantou-se do banco metendo-se debaixo do chuveiro de água fresca e da sombra da madrugada, ao apagar a luz.
O líquido invisível escorria sob sua pele.
E lá estava ele, de pé diante de uma multidão espectadora, aguardando de olhos vidrados. Cortinas vermelhas insinuavam-se na periferia de sua visão, e suas mãos seguravam uma lustrosa e leve peça de madeira. Pasmo, encarou todos aqueles homens elegantemente vestidos e mulheres de leques floreando. Vestido num terno bem ajustado, ele viu o fatídico problema, surgido em suas mãos, a ser consumado por um arquejar de crina de cavalo. Os dois fs o fitaram, inexpressivos. Onde estava o luzidio instrumento de cauda esparramada? Mai ha preso un violino per suonare. Come se fa adesso?
Pensamentos interpelavam-se à caminho da boca, que para não entrar moscas permaneceu bem fechada. De música, só o piano. Que raios faria com um violino na mão e um teatro esperando?
Um movimento furtivo captou-lhe a atenção. Um colega de piano, mirrado e tímido, entrou no palco carregando singelamente uma estante com uma imodesta partitura. Postando-a constrangido na sua frente, murmurou um constrangido 'sie ist einfach' sumindo em seguida. Sua mente registrou algo como 'pra você essa é bico'. Ele encarou a única clave e a enchente de notas, apreensivo. Posicionou o violino junto ao pescoço e preparou o arco. O teatro suspendeu a respiração. Pensando merda, falou scheisse e imaginando teclas, atacou as quatro cordas num fortissimo in-fusivo. Despejou a melodia galopante repetindo mentalmente que não sabia tocar violino e seu instrumento era piano. O som atravessava seus ouvidos sem deixar vestígio de continuidade. Mas o piano, o piano, só o piano...
A água começou a esquentar, sobressaltando-o. Um suave ronco interrompeu-se em sua boca. Tinha uma pedra sabão firmemente segura na altura do ombro.

(baseado num sonho real :])

Um comentário:

Unknown disse...

Hallo, Sibilla :}

O último texto que você comentou é realmente algo sobre nostalgia, mas tenho pra mim de que este meu texto seja algo muito nerótico...

E quanto a este seu, magnifique!
Você descreveu bem o movimento, e adorei as passagens em italiano e alemão.

"Mas o piano, o piano, só o piano...": costumo me sentir assim quando toco flauta transversal, rs.

Salut!