12 novembro 2008

Fogo.

Parecia vir de todos os lugares, assim como parecia vir de lugar nenhum. O calor sufocante fazia-o liberar o ar em arfadas que aguilhoavam suas costelas e fazia sua cabeça girar. Deve ser o inferno, pensou, e seus olhos estavam fechados com força, como se fizesse alguma diferença abri-los ou não. Quando deu-se conta disso quase sorriu, uma fagulha de racionalidade em meio àquele oceano de chamas que vinham de todos os lados. Abriu-os; estava tudo escuro, como era de se esperar de um cego. A fumaça entrava por entre os poros da pele por asfixirrespiração cutânea, expulsando todo o oxigênio escondido nas vilosidades de seu corpo para que este colaborasse com a combustão, do lado de fora. Sacudiu um braço em frente ao rosto para tentar afastar a massa de monodióxidos de carbonos, mas uma língua invisível açoitou seu antebraço, provocando uma ardência terrível. Urrou pela infeliz tentativa de acalmar seu corpo que ardia por oxigênio, expulsando o pouco que restava em seus pulmões por definitivo. Deu um passo para trás, para tentar desvencilhar-se da labareda que consumia seu braço, mas sentiu uma segunda em seu calcanhar, agarrando sua tenra carne com pulsante cadência. Já não tinha ar para expelir, já não podia respirar, seus ignóbeis olhos se recusavam a ver daonde vinham as dançantes chibatas etéreas, seu cérebro entrara em estado de pânico. Como diria Castro Alves, estava sem ar, sem luz, sem razão. Num arroubo de estertoras forças, correu cegamente pelo fogo que lhe consumia, enroscando em panos em chamas que lhe barravam o caminho e enroscavam-se em sua pele já quase inexistente, até que enfim chocou-se com uma parede, irradiadora de um calor mais impactante e ordenado, quase palpável; cambaleando, como um boneco que já não tem mais corda, tombou no chão - que lhe parecia então um fluido balouçante como o magma - e ficou ali, a servir de alimento para a fogueira, não restando no fim, nada mais que cinzas e um par de olhos sem pupila (sem contar o cheiro agradabilíssimo de carne queimada).

3 comentários:

Aline Fraenkel disse...

Se eu comecei a querer ler diversos livros de autores diferentes para melhorar minha escrita, certamente preciso começar a ler oque vc escreve.

lindo (:

Tuma disse...

claro, semana que vem tá ótimo, tenho unicamp tb. a gente conversa durante essa semana

Dal Molin disse...

LINDO. Quando você disse que havia gostado da idéia de não poder enxergar o fogo, juro que não esperava um texto tão maravilhoso assim. Parabéns, mesmo.