26 setembro 2012

Heavy Heart (Dark Dark Dark)

In a room full of people
Will anyone dance with me?
My heart is heavy
Will anyone dance with me?

A room full of people
Will anyone dance with me?
My heart is heavy
Will anyone dance with me?

Heard on the news
Whats after the end of good things?
They said on the news
Things that they really don't change

Oh looking at you
Seems to be to me
That you're living proof


A gente nunca sabe o porquê das coisas acontecerem na hora que acontecem. A avó dizia que era porque Deus assim quer, mas vai saber.
A sala estava apinhada, mesmo com os netos comendo na cozinha entre berros e estrépito de talheres (é tanta vida naqueles projetos de gente que ela escapa pelos movimentos desengonçados e se espalha pelos objetos inanimados). Desde a morte da vó tinha ficado difícil juntar todo mundo naquela casinha.
A comida, trazida (em doses não tão homeopáticas assim) por todos, transbordava pelas beiradas da mesa. Diferentes conversas dançavam pelo ar cheiroso de queijo derretido. O avô olhava silencioso da cabeceira, com um sorrisinho de dar inveja à dona Lisa. Tinha comido um pouco demais, diagnosticava, apertava-lhe o peito. Nada sério.
Da sala vinha a música agradável do moço (agora já velhinho) do banquinho e violão. Aquela voz minúscula de João se afogava no oceano de ruídos, falares e miares. Os gatos estavam assanhados com tanta fartura.
Só danço samba, só danço samba...
- Vai, muda lá a música! Alguém dança um bolero comigo?
- Pede pro pai! Ninguém mais sabe dançar isso.
O vô coçou a careca resignado e se levantou devagarinho, contornando a mesa com cuidado para não bater na quina. A filha trocou o vinil, e aconchegou-se ao pai.
...-tarara-ta-ta-...-tarara-ta-ta-...-tarara-ta-ta...
De passadas miúdas, os dois giravam pela sala. A filha atentava aos móveis para evitar um trombo.
Una vez, nada más, se entrega el alma con la dulce y total renunciación
O vô ditava a cadência. Firme e frágil, completo no paradoxo da velhice. Estava abafado ali, o ar, viciado. Aquela pressão no peito anunciava uma indigestão. Anunciou sua saída ao jardim, e três pirralhos correram para fora.
Ali, segurando o velho balanço de pneu, descansava o pé de abacate, plantado por ele e a vó há muito. Parecia ter deixado de crescer quando ela se foi, refletiu o velho. Apoiou-se no tronco ríspido, pois se sentia mais pesado. O que queijo não faz com a gente.
Abacateiro serás meu parceiro solitário nesse itinerário da leveza pelo ar
Hora da sesta, por que não? Recostou-se no companheiro, virado para olhar os netos, que saracoteavam pela terra e puxavam os rabos dos gatos descuidados.
Pesavam-lhe as pálpebras. Pesava-lhe o peito. Pesava-lhe o sono.
E depois, virou leveza.