24 outubro 2012

MORAES, Vinícius. O Relógio

Passa, tempo, Tic-tac
Tic-tac, Passa, hora
Chega logo, Tic-tac
Tic-tac, E vai-te embora
Passa, tempo, bem depressa
Não atrasa, não demora
Que já estou muito cansado
Já perdi toda a alegria
De fazer meu tic-tac
Dia e noite, noite e dia
Tic-tac, Tic-tac
Dia e noite, noite e dia

26 setembro 2012

Heavy Heart (Dark Dark Dark)

In a room full of people
Will anyone dance with me?
My heart is heavy
Will anyone dance with me?

A room full of people
Will anyone dance with me?
My heart is heavy
Will anyone dance with me?

Heard on the news
Whats after the end of good things?
They said on the news
Things that they really don't change

Oh looking at you
Seems to be to me
That you're living proof


A gente nunca sabe o porquê das coisas acontecerem na hora que acontecem. A avó dizia que era porque Deus assim quer, mas vai saber.
A sala estava apinhada, mesmo com os netos comendo na cozinha entre berros e estrépito de talheres (é tanta vida naqueles projetos de gente que ela escapa pelos movimentos desengonçados e se espalha pelos objetos inanimados). Desde a morte da vó tinha ficado difícil juntar todo mundo naquela casinha.
A comida, trazida (em doses não tão homeopáticas assim) por todos, transbordava pelas beiradas da mesa. Diferentes conversas dançavam pelo ar cheiroso de queijo derretido. O avô olhava silencioso da cabeceira, com um sorrisinho de dar inveja à dona Lisa. Tinha comido um pouco demais, diagnosticava, apertava-lhe o peito. Nada sério.
Da sala vinha a música agradável do moço (agora já velhinho) do banquinho e violão. Aquela voz minúscula de João se afogava no oceano de ruídos, falares e miares. Os gatos estavam assanhados com tanta fartura.
Só danço samba, só danço samba...
- Vai, muda lá a música! Alguém dança um bolero comigo?
- Pede pro pai! Ninguém mais sabe dançar isso.
O vô coçou a careca resignado e se levantou devagarinho, contornando a mesa com cuidado para não bater na quina. A filha trocou o vinil, e aconchegou-se ao pai.
...-tarara-ta-ta-...-tarara-ta-ta-...-tarara-ta-ta...
De passadas miúdas, os dois giravam pela sala. A filha atentava aos móveis para evitar um trombo.
Una vez, nada más, se entrega el alma con la dulce y total renunciación
O vô ditava a cadência. Firme e frágil, completo no paradoxo da velhice. Estava abafado ali, o ar, viciado. Aquela pressão no peito anunciava uma indigestão. Anunciou sua saída ao jardim, e três pirralhos correram para fora.
Ali, segurando o velho balanço de pneu, descansava o pé de abacate, plantado por ele e a vó há muito. Parecia ter deixado de crescer quando ela se foi, refletiu o velho. Apoiou-se no tronco ríspido, pois se sentia mais pesado. O que queijo não faz com a gente.
Abacateiro serás meu parceiro solitário nesse itinerário da leveza pelo ar
Hora da sesta, por que não? Recostou-se no companheiro, virado para olhar os netos, que saracoteavam pela terra e puxavam os rabos dos gatos descuidados.
Pesavam-lhe as pálpebras. Pesava-lhe o peito. Pesava-lhe o sono.
E depois, virou leveza.

31 agosto 2012

Samba Erudito - Paulo Vanzolini

...
Mas você nem ligou
Para tanta proeza
Põe um preço tão alto
Na sua beleza

E então, como Churchill
Eu tentei outra vez
Você foi demais
Pra paciência do inglês
Aí, me curvei
Ante a força dos fatos
Lavei minhas mãos
Como Pôncio Pilatos

28 agosto 2012

Freud.

"Estamos diante de um fato, e é de se esperar que nos acostumemos a ele pondo de lado nossos próprios gostos. Precisamos aprender a falar sem indignação sobre o que chamamos de perversões sexuais — essas transgressões da função sexual tanto na esfera do corpo quanto na do objeto sexual. Já a indefinição dos limites do que se deve chamar de vida sexual normal nas diferentes raças e épocas deveria arrefecer tal ardor fanático. Tampouco nos devemos esquecer de que a perversão que nos é mais repelente, o amor sensual de um homem por outro, não só era tolerada num povo culturalmente tão superior a nós quanto os gregos, como também lhe eram atribuídas entre eles importantes funções sociais. Na vida sexual de cada um de nós, ora aqui, ora ali, todos transgredimos um pouquinho os estreitos limites do que se considera normal. As perversões não são bestialidades nem degenerações no sentido patético dessas palavras. São o desenvolvimento de germes contidos, em sua totalidade, na disposição sexual indiferenciada da criança, e cuja supressão ou redirecionamento para objetivos assexuais mais elevados — sua “sublimação” — destina-se a fornecer a energia para um grande número de nossas realizações culturais. Portanto, quando alguém se torna grosseira e manifestamente pervertido, seria mais correto dizer que permaneceu como tal, pois exemplifica um estágio de inibição do desenvolvimento."

02 junho 2012

It's all about expectations

Por mais que a gente tente jogar a culpa no Outro, um exame mais acurado de corpo-delito (quase) sempre nos desmascara: quais são, quais eram suas expectativas (e mais, em que se embasam)? Uma formulação clara raramente vem antes da decepção - e olha que uma desilusão não é via de regra para entender o que se passa nessa nossa miríade confusa que chamamos de ser.
Vejo traços recorrentes dessa criação infundada nas últimas estórias. Expectativas essas de fato irreais - maldita (e não bendita, como gostam de dizer por aí) seja essa mania de ter esperança nas coisas. A esperança nos distorce a interpretação dos acontecimentos e nos deixa com a sensação de que tudo que queremos pode um dia ser realizado. E aí, pimba. Formamos expectativas que não se cumprem e nos deixam com esse gosto acre e essa palpitação desconfortável perto da laringe.
E a responsabilidade é inteiramente nossa. Não há o que se discutir sobre isso.

23 abril 2012

CALVINO, Italo. ll cavaliere inesistente

Sì, libro. Suor Teodora che narrava questa storia e la guerriera Bradamante siamo la stessa donna. Un po’ galoppo per i campi di guerra tra duelli e amori, un po’ mi chiudo nei conventi, meditando e vergando le storie occorsemi, per cercare di capirle. Quando venni a chiudermi qui ero disperata d’amore per Agilulfo, ora ardo per il giovane e appassionato Rambaldo.

Per questo la mia penna a un certo punto s’è messa a correre. Incontro a lui, correva; sapeva che non avrebbe tardato ad arrivare. La pagina ha il suo bene solo quando la volti e c’è la vita dietro che spinge e scompiglia tutti i fogli del libro. La penna corre spinta dallo stesso piacere che ti fa correre le strade. Il capitolo che attacchi e non sai ancora quale storia racconterà è come l’angolo che svolterai uscendo dal convento e non sai se ti metterà a faccia con un drago, uno stuolo barbaresco, un’isola incantata, un nuovo amore.

Corro, Rambaldo. Non saluto nemmeno la badessa. Già mi conoscono e sanno che dopo zuffe e abbracci e inganni ritorno sempre a questo chiostro. Ma adesso sarà diverso... Sarà...

Dal raccontare al passato, e dal presente che mi prendeva la mano nei tratti concitati, ecco, o futuro, sono salita in sella al tuo cavallo. Quali nuovi stendardi mi levi incontro dai pennoni delle torri di città non ancora fondate? quali fumi di devastazioni dai castelli e dai giardini che amavo? quali impreviste età dell’oro prepari, tu malpadroneggiato, tu foriero di tesori pagati a caro prezzo, tu mio regno da conquistare, futuro...

28 março 2012

CineMinuto 3

Pequeno mercado no começo da noite. Está apinhado de gente, todos conversam em voz baixa. As prateleiras brancas cheias de produtos coloridos em uma língua ininteligível. O ambiente é claro, ligeiramente ofuscante.
P1 está com uma cestinha de compras e desloca-se para a fila. Está cautelosa, tenta não esbarrar em ninguém nem nas prateleiras abarrotadas. Na sua frente está um velhinho, P2, que carrega uns maços de hortaliças.

Ruídos do ambiente.

P2 se vira para P1. Agita um maço de nira em sua direção.

P2: Nira... nao bon, ne!
P1 (tenta ser simpática): Ah, não? Mas ele está tão bonito..!
P2: Nao compra nira!
P1: Mas por quê?

Pausa. P2 aproxima o maço do nariz, inspira e agita o nira de novo.

P2 franze o cenho: ...
...Química, ne!

P1 demonstra compreendê-lo.

Segurança, P3: Senhor, o caixa 5 está livre.
P2 vira-se para encará-lo: ...Hai!

e se afasta.

26 março 2012

O céu

abril-se
antes de mar-çe acabar

25 março 2012

é inebriante
feito cheiro da primeira chuva na saída do inverno
ou trago sedento de chá gelado no calor interiorano
ou feito ainda silêncio que segue o rastro do último ônibus
- ah... mal sabe o que é bom, essa aí. Não me diz nem coisa com coisa

é a comunhão com este espaço-tempo
a sensação de pertencimento
que me re-põe-tira a calma
e me desnorteia
- como se alguma vez sensações tivessem sido claras, né...
e vê se para de piegagem, mulher, que isso assusta os outros.

12 março 2012

Com a sensação de que algum acontecimento desagradável me espreita. Sinto seu hálito, percebo suas vibrações no ar, vislumbro-o de relance (mas não é o suficiente para conseguir me prontificar ao inevitável bote).

11 março 2012

ASSUMPÇÃO, Itamar

Quando estou longe
Quero ficar perto
Quando estou perto
Quero ficar dentro
Quando estou dentro
Quero ficar mudo
Quando estou mudo
Quero dizer tudo

23 fevereiro 2012

Ai, se sêsse!

Se um dia nois se gostasse
Se um dia nois se queresse
Se nois dois se empareasse
Se juntin nois dois vivesse
Se juntin nois dois morasse
Se juntin nois dois drumisse
Se juntin nois dois morresse
Se pro céu nois assubisse
Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse
a porta do céu e fosse te dizer qualquer tulice
E se eu me arriminasse
E tu cum eu insistisse pra que eu me arresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Tarvês que nois dois ficasse
Tarvês que nois dois caisse
E o céu furado arriasse e as virgi toda fugisse