A noite é quente. Sente as costas suadas a empapar o pijama, o pijama a embeber o lençol. A cama? Sequer desfeita. O exaustor gira lenta e dolorosamente. O primo, duas camas ao lado, ressona. Os outros estão em paz. E ela ali, a suar feito garrafa fora do freezer.
Algumas ambulâncias passam. Funks correm pela avenida, também.
Passa a mão pela testa e enxuga no lençol. Vem então da janela escancarada um ruído estranho (som de lugar claro, de grandes prateleiras abarrotadas, de pessoas mal humoradas e crianças gritando e anúncios coloridos)... de carrinho de supermercado. Vem do estacionamento do prédio, o barulho de um carrinho, arrastado de um lado ao outro.
Baque-silêncio(breve, sem delongas)-movimento em fórmula cíclica, tal qual os gemidos do circulador de teto. Ela se levanta, curiosa. Se contorce até a janela, e nada vê além de um chinelo solto no meio do asfalto. Deixa o quarto, devagar para não tropeçar nos sapatos largados, cadeiras tortas e quadros imprevistos. Ela avança pelo breu, torce a chave com cuidado e sai pela porta da frente. Deixa-a destrancada. O sensor de movimento acende a luz e a cega. O elevador é sofridamente claro. Ela desce no estacionamento aberto. O céu tem o escuro desbotado das luzes da cidade. Está quente.
Há um homem empurrando o carrinho. Tem só um pé calçado, cabelos com fios prateados, entradas e uma expressão vazia. Ele vem em sua direção, sem parecer tê-la notado. Ela se desvia e ele passa com o carrinho, para bater numa parede. Baque-silêncio. Ele dá ré e ruma para outro lado. Movimento.
Baque-silêncio-movimento.
Ela o observa.
27 dezembro 2011
23 dezembro 2011
DRUMMOND, Carlos. Cortar o tempo
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi realmente um sujeito genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para frente tudo pode ser diferente
a que se deu o nome de ano,
foi realmente um sujeito genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para frente tudo pode ser diferente
Marcadores:
De Outrens,
poesia..?
13 dezembro 2011
...enquanto os patos vão pro sul
Soa egocêntrico, é egocêntrico - afinal, hipocrisias à parte, quem não é?
É curiosa essa sensação de migrante; e convenhamos, não é como se eu fosse o estereótipo, de mala e cuia para um mundo novo. Meu "mundo novo" se localiza a cem quilômetros de distância do "mundo velho" (se muito), e as interpenetrações desses mundos são muitas e frequentemente contínuas. Mesmo assim, surge esse negocinho estranho - essa aura de não-pertencimento a nenhum dos mundos, de deslocamento tanto aqui quanto ali. É um mal-estar de existir e de ter uma parte da sua história sem relação com o lugar onde se encontra - semelhante a ter um pedaço de si que não pertence àquele ambiente.
Refinando um pouco mais essa 'síndrome do migrante' é muito parecida - se não igual - àquele ranço de ver o tempo passando, de ver as coisas mudando: árvores de infância derrubadas, prédios no lugar de outros prédios, ruas que mudam de mão, pessoas que transformam em algo que você deixa de entender. É a síndrome de quero-que-o-mundo-fique-como-está, e que nada, nem ninguém, mude. É a dicotomia - pensando em um texto que li hoje - "[de se incomodar] com a intransigência da não repetição e com a intransigência da expectativa de repetição."
É curiosa essa sensação de migrante; e convenhamos, não é como se eu fosse o estereótipo, de mala e cuia para um mundo novo. Meu "mundo novo" se localiza a cem quilômetros de distância do "mundo velho" (se muito), e as interpenetrações desses mundos são muitas e frequentemente contínuas. Mesmo assim, surge esse negocinho estranho - essa aura de não-pertencimento a nenhum dos mundos, de deslocamento tanto aqui quanto ali. É um mal-estar de existir e de ter uma parte da sua história sem relação com o lugar onde se encontra - semelhante a ter um pedaço de si que não pertence àquele ambiente.
Refinando um pouco mais essa 'síndrome do migrante' é muito parecida - se não igual - àquele ranço de ver o tempo passando, de ver as coisas mudando: árvores de infância derrubadas, prédios no lugar de outros prédios, ruas que mudam de mão, pessoas que transformam em algo que você deixa de entender. É a síndrome de quero-que-o-mundo-fique-como-está, e que nada, nem ninguém, mude. É a dicotomia - pensando em um texto que li hoje - "[de se incomodar] com a intransigência da não repetição e com a intransigência da expectativa de repetição."
Marcadores:
'viva la musica',
Citações,
Devaneios,
Paralelos
23 novembro 2011
BRECHT, Bertold. O escravo de seus fins.
O sr. K. fez as seguintes perguntas:
"Toda manhã meu vizinho ouve música no gramofone. Por que ele ouve música? Porque faz ginástica, eu soube. Por que faz ginástica? Porque precisa ter força, dizem. Para que precisa ter força? Para derrotar seus inimigos na cidade, diz ele. Por que tem que derrotar seus inimigos? Porque quer comer, eu soube".
Depois de saber que seu vizinho ouvia música para fazer ginástica, fazia ginástica para ser forte, queria ser forte para matar seus inimigos, matava seus inimigos para comer, ele fez a sua pergunta: "Por que ele come?".
"Toda manhã meu vizinho ouve música no gramofone. Por que ele ouve música? Porque faz ginástica, eu soube. Por que faz ginástica? Porque precisa ter força, dizem. Para que precisa ter força? Para derrotar seus inimigos na cidade, diz ele. Por que tem que derrotar seus inimigos? Porque quer comer, eu soube".
Depois de saber que seu vizinho ouvia música para fazer ginástica, fazia ginástica para ser forte, queria ser forte para matar seus inimigos, matava seus inimigos para comer, ele fez a sua pergunta: "Por que ele come?".
Marcadores:
De Outrens,
little ones
19 novembro 2011
às vezes
é tão difícil viver. Não por excesso de problemas, não por conspiração do mundo, por nada disso. Parece que a minha força motriz se esgotou, e todas as ações são - não penosas, porque não infligem dor - difíceis. Parece que a inércia não pode jamais ser vencida. E veja, não é preguiça, é falta de motivação, de disposição de sair da rede e viver. Viver nos sentidos mais primários - interagir, comer, banhar-se, rir, chorar, cagar, mover-se.
A vontade é entrar em estado catatônico, porque o sono não vem mais.
E essas vezes têm sido frequentes demais.
A vontade é entrar em estado catatônico, porque o sono não vem mais.
E essas vezes têm sido frequentes demais.
Marcadores:
Estertores,
Monólogos,
Relatos.
06 novembro 2011
É humilhante,
mas a verdade é que é necessário desconfiar do homem, é preciso temê-lo e até mesmo... odiá-lo. O homem está dividido. Seria bom amar, apenas, mas como consegui-lo? Como perdoar àquele que se precipita sobre nós como um animal selvagem, que não reconhecce em nós uma alma viva e que massacra com socos a nossa cara de homens? É impossível perdoar.
Gorki, Máximo. A Mãe.
Gorki, Máximo. A Mãe.
Marcadores:
De Outrens,
Trechos
12 outubro 2011
10 outubro 2011
Sonhei que andava no jardim de uma embaixada, com bem-cuidados gramados, arbustos com formas geométricas e aquele ar de casa aristocrática de campo. Ao deitar-me ali, notei que o céu tinha riscos escuros e serpenteantes, como um afresco velho e rachado.
Marcadores:
Quiméricos
29 agosto 2011
Paulo
és maltrapilho
insanto estuprado
cujo altar jaz entre lixos e fedores;
foste esquecido pelos religiosos
agora veneradores de outros santos
e que correm atrás da vida impecável
(ainda que pestilenta e oca);
és venerado tão somente pelos in-sãos, abandonados pelas sarjetas
aos seus cuidados de enfermo.
És santo moderno
martirizado pelo câncer de suas células indiferentes
(não revoltosas, não subversivas - não lhes falte com respeito)
que lhe cruzam o corpo purulento em agoniante pressa,
buscando
coletando a mais nova deidade
para adicionar ao seu catálogo indivirtual.
insanto estuprado
cujo altar jaz entre lixos e fedores;
foste esquecido pelos religiosos
agora veneradores de outros santos
e que correm atrás da vida impecável
(ainda que pestilenta e oca);
és venerado tão somente pelos in-sãos, abandonados pelas sarjetas
aos seus cuidados de enfermo.
És santo moderno
martirizado pelo câncer de suas células indiferentes
(não revoltosas, não subversivas - não lhes falte com respeito)
que lhe cruzam o corpo purulento em agoniante pressa,
buscando
coletando a mais nova deidade
para adicionar ao seu catálogo indivirtual.
Marcadores:
Espremidos,
Estertores,
poesia..?
16 agosto 2011
inquinamento dei sensi
dessa mão que te esmaga o peito expulsa teu ar e só te concede arfadas barulhentas
dessa mão que te impõe medo de qualquer movimento novo e te conduz pelos mesmos descaminhos
dessa mão que te imerge no fedor rançoso deste aqui-agora
dessa mão não gostas. sufoca-te.
dessa mão tens repulsa. e dessa mão não escapas.
dessa mão que te impõe medo de qualquer movimento novo e te conduz pelos mesmos descaminhos
dessa mão que te imerge no fedor rançoso deste aqui-agora
dessa mão não gostas. sufoca-te.
dessa mão tens repulsa. e dessa mão não escapas.
Marcadores:
Estertores,
poesia..?
15 agosto 2011
-
liberdades estranhas
entranhas convulsivas
declarações corrosivas
- abrindo caminho por entre gengivas
que sangram -
que infectam e putrefazem
outrens.
entranhas convulsivas
declarações corrosivas
- abrindo caminho por entre gengivas
que sangram -
que infectam e putrefazem
outrens.
31 julho 2011
Era seduta sul divano e pensava. La stanza era buia e la luce di un altro edificio la dipingeva tutta di blu. Stringeva le mascelle inconsciamente e sempre più forte, fino che percepiva e di subito le rilassava. Ascoltava i suoi organi funzionare mentre cercava di scordare quella messa che aveva saltato di tra quei ricordi antichi, da molto sepolti.
Ma la messa non la lasciava stare, anzi, suonava nella sua mente con tutte le forze, fragorosa, impetuosa. Aveva provato iniziare il suo MP4 – era scaricato; aveva cercato quelle musiche infernali (anche se questa non sarebbe la parola proprio giusta) in internet, senza risultati.
Era un po' impacciata, ed un bel tanto confusa. Stava lì, ferma, sola, a stringere le mascelle.
Ma la messa non la lasciava stare, anzi, suonava nella sua mente con tutte le forze, fragorosa, impetuosa. Aveva provato iniziare il suo MP4 – era scaricato; aveva cercato quelle musiche infernali (anche se questa non sarebbe la parola proprio giusta) in internet, senza risultati.
Era un po' impacciata, ed un bel tanto confusa. Stava lì, ferma, sola, a stringere le mascelle.
Marcadores:
Italianagens,
Relatos.
30 julho 2011
Stecchetti, Lorenzo
III.
Era una notte come questa e il vento
Scuoteva urlando la mia porta invano:
Lunga come un lamento
Mezzanotte battea lontan lontano,
Cadea la pioggia a rivi
Dalle gronde sonore e tu partivi.
Tu partivi per sempre ed io sul letto,
Col viso in giù, la còltrice mordea:
Mi strideva nel petto
Il singhiozzo del pianto e non piangea.
Così tu m’hai lasciato
E il bacio dell’addio non me l’hai dato.
Da quella notte non t’ho più veduta
E più nulla di te non seppi mai.
Forse tu sei caduta
Nel vitupero ed aspettando stai,
Seduta sulla porta,
Chi compri il bacio tuo; forse sei morta.
Forse, e questo pensier più mi tormenta,
Non ti ricordi più del tuo passato,
E godendo contenta
La casta pace d’un imen beato,
Baci col labbro pio
I figli d’un amor che non fu il mio.
Nel tempo anch’io sperai che pur conforta,
Che spegne pure ogni dolor più greve.
Ti volli creder morta
Perchè scordarsi degli estinti è lieve,
E dissi al cor mio gramo,
Dissi all’anima mia: dimentichiamo.
Invan. Da quella notte io porto in core
Come una piaga che guarir non vuole;
Chiuso nel mio dolore
Odio la terra, maledico il sole,
Maledico la vita,
Perchè non spero più; tu sei partita.
E partita per sempre! e pur se sento
La piova ancor che dalle gronde scroscia
E a mezza notte il vento
Sonar come un lontano urlo d’angoscia,
Dal mio guanciale il volto
Levo e le voci della notte ascolto.
Così mal desto le tue bianche forme,
Velate come in sogno, io veggo in mente;
Tace per poco e dorme
Il tarlo roditor che lentamente
La mia vita divora,
E mi par quasi d’aspettarti ancora.
Può la mente scordar tutto un passato,
Ma la mia carne non li scorda mai
I baci che m’hai dato,
I misteri d’amor che t’insegnai,
Le notti mie più liete,
E le tue voluttà le più segrete.
Ahi, ma dal mio sopor tosto destato,
L’atroce verità riveggo intera!
Ignudo e forsennato
Levo le braccia nella notte nera
E sulla coltre sola
Spasimo e il pianto mi s’annoda in gola.
Pianger non posso. Maledetto Iddio,
Se favola non è come l’amore,
Egli che il pianto mio
Come una pietra mi saldò nel core,
Egli che ci ha diviso
E che il pianto mi nega e il tuo sorriso!
Oh, se pianger la morte mi facesse,
Se una lagrima sola, un’ora sola
De’ gaudi tuoi mi desse,
Ricada sovra me la mia parola
Se la casa di grida
Non risonasse già pel suicida!
Era una notte come questa e il vento
Scuoteva urlando la mia porta invano:
Lunga come un lamento
Mezzanotte battea lontan lontano,
Cadea la pioggia a rivi
Dalle gronde sonore e tu partivi.
Tu partivi per sempre ed io sul letto,
Col viso in giù, la còltrice mordea:
Mi strideva nel petto
Il singhiozzo del pianto e non piangea.
Così tu m’hai lasciato
E il bacio dell’addio non me l’hai dato.
Da quella notte non t’ho più veduta
E più nulla di te non seppi mai.
Forse tu sei caduta
Nel vitupero ed aspettando stai,
Seduta sulla porta,
Chi compri il bacio tuo; forse sei morta.
Forse, e questo pensier più mi tormenta,
Non ti ricordi più del tuo passato,
E godendo contenta
La casta pace d’un imen beato,
Baci col labbro pio
I figli d’un amor che non fu il mio.
Nel tempo anch’io sperai che pur conforta,
Che spegne pure ogni dolor più greve.
Ti volli creder morta
Perchè scordarsi degli estinti è lieve,
E dissi al cor mio gramo,
Dissi all’anima mia: dimentichiamo.
Invan. Da quella notte io porto in core
Come una piaga che guarir non vuole;
Chiuso nel mio dolore
Odio la terra, maledico il sole,
Maledico la vita,
Perchè non spero più; tu sei partita.
E partita per sempre! e pur se sento
La piova ancor che dalle gronde scroscia
E a mezza notte il vento
Sonar come un lontano urlo d’angoscia,
Dal mio guanciale il volto
Levo e le voci della notte ascolto.
Così mal desto le tue bianche forme,
Velate come in sogno, io veggo in mente;
Tace per poco e dorme
Il tarlo roditor che lentamente
La mia vita divora,
E mi par quasi d’aspettarti ancora.
Può la mente scordar tutto un passato,
Ma la mia carne non li scorda mai
I baci che m’hai dato,
I misteri d’amor che t’insegnai,
Le notti mie più liete,
E le tue voluttà le più segrete.
Ahi, ma dal mio sopor tosto destato,
L’atroce verità riveggo intera!
Ignudo e forsennato
Levo le braccia nella notte nera
E sulla coltre sola
Spasimo e il pianto mi s’annoda in gola.
Pianger non posso. Maledetto Iddio,
Se favola non è come l’amore,
Egli che il pianto mio
Come una pietra mi saldò nel core,
Egli che ci ha diviso
E che il pianto mi nega e il tuo sorriso!
Oh, se pianger la morte mi facesse,
Se una lagrima sola, un’ora sola
De’ gaudi tuoi mi desse,
Ricada sovra me la mia parola
Se la casa di grida
Non risonasse già pel suicida!
Marcadores:
coisas de vó,
De Outrens,
Italianagens,
poesia..?,
romantismo
25 julho 2011
de instrumento a fim - fragmentos de raciocínio
irracionalidade da razão
robotização humana, ou seja, perda da experiência, da sociabilidade, da formação enquanto coletivo.
primazia da formação individual, do capital humano, maximização do tempo gasto com isso e com o tempo de produção.
perda da relação interpessoal & maximização da relação intercolegal.
tudo sob o disfarce do humano, do normal. photoshopização do robótico, ideologização da falta de vida. perder a vida através de um caminho irracional, de ausência de sentido. trocar a vida pelo capital, pela formação do capital, pela acumulação do capital, pelo consuno do capital, capital, capital.
és pecado(,) capital.
24 de junho
robotização humana, ou seja, perda da experiência, da sociabilidade, da formação enquanto coletivo.
primazia da formação individual, do capital humano, maximização do tempo gasto com isso e com o tempo de produção.
perda da relação interpessoal & maximização da relação intercolegal.
tudo sob o disfarce do humano, do normal. photoshopização do robótico, ideologização da falta de vida. perder a vida através de um caminho irracional, de ausência de sentido. trocar a vida pelo capital, pela formação do capital, pela acumulação do capital, pelo consuno do capital, capital, capital.
és pecado(,) capital.
24 de junho
Marcadores:
Análise,
De Outrens,
Devaneios,
Estalos,
Estertores,
Paralelos
24 julho 2011
Límites
De estas calles que ahondan el poniente,
una habrá (no sé cuál) que he recorrido
ya por última vez, indiferente
y sin adivinarlo, sometido
a Quien prefija omnipotentes normas
y una secreta y rígida medida
a las sombras, los sueños y las formas
que destejen y tejen esta vida.
Si para todo hay término y hay tasa
y última vez y nunca más y olvido
¿quién nos dirá de quién, en esta casa
sin saberlo, nos hemos despedido?
Tras el cristal ya gris la noche cesa
y del alto de libros que una trunca
sombra dilata por la vaga mesa,
alguno habrá que no leeremos nunca.
Hay en el Sur más de un portón gastado
con sus jarrones de mampostería
y tunas, que a mi paso está vedado
como si fuera una litografia.
Para siempre cerraste alguna puerta
y hay un espejo que te aguarda en vano;
la encrucijada te parece abierta
y la vigila, cuadrifronte, Jano.
Hay, entre todas tus memorias, una
que se ha perdido irreparablemente;
no te verán bajar a aquela fuente
ni el blanco sol ni la amarilla luna.
No volverá tu voz a lo que el persa
dijo en su lengua de aves y de rosas,
cuando al ocaso, ante la luz dispersa,
quieras decir inolvidables cosas.
¿Y el incesante Ródano y el lago,
todo ese ayer sobre el cual hoy me inclino?
Tan perdido estará como Cartago
que con fuego y con sal borró el latino.
Creo en el alba oír un atareado
rumor de multitudes que se alejan;
son lo que me ha querido y olvidado;
espacio y tiempo y Borges ya me dejan.
Jorge L. Borges
Marcadores:
aleatórios,
De Outrens,
poesia..?
06 julho 2011
Ode ao pássaro morto
Fora antes uma Bolinha de penas
dessas saltitantes, alvo de mil preocupações
“merda, será que eu passei por cima?”.
Agora, mero monte amorfo de plumas
incrustrado no asfalto.
Poderia muito bem se passar por um bolo de sujeira
daquelas que se tira de debaixo da cama.
dessas saltitantes, alvo de mil preocupações
“merda, será que eu passei por cima?”.
Agora, mero monte amorfo de plumas
incrustrado no asfalto.
Poderia muito bem se passar por um bolo de sujeira
daquelas que se tira de debaixo da cama.
Marcadores:
Comentários.,
Devaneios,
Experiências,
poesia..?,
Relatos.
19 junho 2011
Pra quem já foi.
Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu.
Ah, que merda.
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu.
Ah, que merda.
Marcadores:
De Outrens,
Estertores
31 maio 2011
Into the wild (wild..?)
Quando aparecem cretinos demais na sua vida, mesmo que simplesmente resvalem na sua trajetória, você começa a se perguntar qual é a natureza humana.
Excessivamente pensado e sem nenhuma conclusão aparente, esse inferno de conceito só nos atrapalha - essa necessidade infeliz de rotular coisas e pessoas, essa obsessão por tipologias, por leis gerais. É frustrante não haver um modelo para observar e encaixar as pessoas, para facilitar a lida com seres estranhos.
É a cretinice dos apartamentos, das pizzarias, da lógica estúpida que parece reger essa sociedade que lhe leva a perder a fé na espécie humana, a achar que uma epidemia poderia resolver o problema do planeta. Aí você esbarra num rosto sorridente - num foco de resistência à babaquice extremamente contagiosa que assola o mundo - e respira fundo, estala as articulações e aceita que existem pessoas bacanas por aí.
A identificação do problema que nos acomete ainda não se deu. É a lógica individualista derivada do 'capitalismo selvagem'? É o distanciamento dos outros seres humanos, é o centramento na própria sobrevivência? Temos mesmo essa capacidade de agir como ser social, sem tentarmos nos massacrar (politica, cultural, social, economicamente..?)? É a intolerância com o próximo?
O que é? Qual é o nosso problema, saco?
Excessivamente pensado e sem nenhuma conclusão aparente, esse inferno de conceito só nos atrapalha - essa necessidade infeliz de rotular coisas e pessoas, essa obsessão por tipologias, por leis gerais. É frustrante não haver um modelo para observar e encaixar as pessoas, para facilitar a lida com seres estranhos.
É a cretinice dos apartamentos, das pizzarias, da lógica estúpida que parece reger essa sociedade que lhe leva a perder a fé na espécie humana, a achar que uma epidemia poderia resolver o problema do planeta. Aí você esbarra num rosto sorridente - num foco de resistência à babaquice extremamente contagiosa que assola o mundo - e respira fundo, estala as articulações e aceita que existem pessoas bacanas por aí.
A identificação do problema que nos acomete ainda não se deu. É a lógica individualista derivada do 'capitalismo selvagem'? É o distanciamento dos outros seres humanos, é o centramento na própria sobrevivência? Temos mesmo essa capacidade de agir como ser social, sem tentarmos nos massacrar (politica, cultural, social, economicamente..?)? É a intolerância com o próximo?
O que é? Qual é o nosso problema, saco?
Marcadores:
Estertores,
Experiências,
Monólogos,
Paralelos
30 maio 2011
Questão de Ordem - Jeff
gostaria de ter lido essa poesia no Sarau, mas não o havendo feito, coloco-a aqui.
(em memória do poeta revolucionário Roque Dalton)
Algo de mim se perdeu
por entre as pautas reivindicadas
quando foi não me lembro...
assembleias... reuniões... passeatas...
Algo de mim se perdeu
por entre as bandeiras levantadas
quando foi não me lembro...
conjunturas... estratégias... táticas...
Algo de mim se perdeu,
e não há nada,
absolutamente nada
em nenhuma ata...
(eu mesmo vasculhei exaustivamente os arquivos)
não se têm informes,
encaminhamentos,
palavras de ordem...
nada.
Apenas uma ausência
enorme constante programática?
Algo de mim se perdeu
por entre as questões ordinárias...
e pode soar ridículo, burguês e desagradavelmente
intimista,
mas sinto, camaradas,
que essa coisa perdida
era,
justamente,
a que me centralizava
(subversiva, clandestina, revolucionária).
(em memória do poeta revolucionário Roque Dalton)
Algo de mim se perdeu
por entre as pautas reivindicadas
quando foi não me lembro...
assembleias... reuniões... passeatas...
Algo de mim se perdeu
por entre as bandeiras levantadas
quando foi não me lembro...
conjunturas... estratégias... táticas...
Algo de mim se perdeu,
e não há nada,
absolutamente nada
em nenhuma ata...
(eu mesmo vasculhei exaustivamente os arquivos)
não se têm informes,
encaminhamentos,
palavras de ordem...
nada.
Apenas uma ausência
enorme constante programática?
Algo de mim se perdeu
por entre as questões ordinárias...
e pode soar ridículo, burguês e desagradavelmente
intimista,
mas sinto, camaradas,
que essa coisa perdida
era,
justamente,
a que me centralizava
(subversiva, clandestina, revolucionária).
Marcadores:
De Outrens,
poesia..?
16 maio 2011
Vorrei che le disillusioni smetessero de tormentarmi. Mi sono già stancata.
Marcadores:
Comentários.,
little ones
14 maio 2011
Every morning at sunrise, the sun shining through a church window reveals a message.
Costumeiro era o atraso
cenário míope atropelado
borrão de cores arrastadas
barulho frenético de roda enferrujada
o sacolejo do aro torto
me eram razões para esquecer do mundo
e me concentrar na fria perspectiva da matéria
da aula daquele professorzinho enfezado
estourador de faltas
tipologista de atrasos
infernizador dos amantes da segunda de manhã
pedalava descabelada
desabalada
pondo abaixo a ladeira
naquela derradeira manhã outonina
que, recostada nos batentes do inverno
suspirava densos nevoeiros
o sol, ainda baixo e tímido na umidade do dia
expelia luz, cegava, escandalizava o branco sujo da neblina
e oferecia uma igreja mirrada
encardida e espremida entre lojas (ainda fechadas) e letreiros intimidadores
expunha-a como troféu
como reduto
como (!) resistência
ao desenfreado avanço das rodas
à vida maquinal que arremetia por aros tortos e fagocitava o raciocínio.
30 abril 2011
Rotativa
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...
Que fique de lição - não ler escritos alheios.
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...
Que fique de lição - não ler escritos alheios.
Marcadores:
'viva la musica',
De Outrens,
Estertores,
Trechos
24 abril 2011
Rethinking Roland's quotes.
The strangest thing about the world moving on is that we lose track of events. Suddenly, we don't know what's happening anymore. Suddenly, we realise that a intricate process has gone by and we need a break to adapt our minds. It's not a bad thing, nor a good one. It's just... odd.
And it happens all the time.
And it happens all the time.
23 abril 2011
Such a...
Ho provato di tutto per farti più prossimo di me - avevo anche concluso che ero stata ben riuscita (fino ad un punto).
Crasso sbaglio.
Tutti gli sfoghi, tutte le storie, è tutto stato un monologo tra me ed una statua, in cui tu sei stato solamente una pietra a guardarmi con quegli occhi che traboccano sentimenti umani.
Sì, mi sono risentita. Mi risentì perché non sei stato là mentre avevo bisogno - e neanche quando ti cercavo. Mi risentì di quasi aver dovuto supplicare per trovarti. Mi risentì di esserti sembrata qualcosa che s'era seppellita da tanto tempo (al meno dalla mia parte).
Sono rammaricata per scoprire che è stato tutto una via senza ritorno. Pensavo che tu fossi comportato appositamente, che avevamo segnato un accordo senza parole, che sarebbe stato tutto finito, e pure mi ritorni con quegli auguri ipocriti.
Ho lasciato stare, siccome di ipocrite il mondo è pieno.
Ma come volevo che questi pensieri fossero follie. Non lo sapresti mai.
Anzi, non lo saprai mai.
Marcadores:
Estertores,
Italianagens,
Monólogos
17 abril 2011
Essa moça tá diferente
Já não me conhece mais
Está pra lá de pra frente
Está me passando pra trás
Essa moça tá decidida
A se supermodernizar
Ela só samba escondida
Que é pra ninguém reparar...
Já não me conhece mais
Está pra lá de pra frente
Está me passando pra trás
Essa moça tá decidida
A se supermodernizar
Ela só samba escondida
Que é pra ninguém reparar...
Marcadores:
'viva la musica',
Citações,
De Outrens,
Trechos
15 abril 2011
...che voy hacer, je suis perdu
Ieri mi è venuta una stanchezza incredibile. Come se tutto il mondo fosse diventato più buio, più pesante. Come se il caldo del giorno mi avesse scioglieta, come se i miei muscoli fossero diventati molli come caucciù.
Ma, doppo un test, tutto si è risolto. Il mondo ha ritornato, ruotando a tutta velocità. La birra è diventata più fredda, suo sapore è diventato più forte. Non è stato il test, ma qualcosa ha scoppiettato.
ただいま.
Ma, doppo un test, tutto si è risolto. Il mondo ha ritornato, ruotando a tutta velocità. La birra è diventata più fredda, suo sapore è diventato più forte. Non è stato il test, ma qualcosa ha scoppiettato.
ただいま.
Marcadores:
Comentários.,
Italianagens,
Relatos.
19 março 2011
The moment after.
Arfadas no escuro. Como se olhos fossem se acostumando ao breu, distinguem-se vultos. Dois eram eles.
Ouve-se um lento resfolegar no quarto ao lado - o terceiro ronca.
Um dos respirares acalma-se aos poucos. O outro suga, desesperado, cada vez mais ar.
'Tá tudo bem aí?' pergunta a primeira.
O segundo ofega, chia, angustia.
'Ei, o que houve?'
Ele tenta se sentar, arquejando pesadamente. A primeira se levanta rápida, desajeitada, acende a luz. O corpo nu na luz amarela, a pele sem pelo, os seios pequenos e arrepiados da primeira viagem, o olhar de pânico. O primeiro, do outro lado da cama, de silhueta magra e comprida (mal saída do estirão), convulsa, a arfar frases entrecortadas, ininteligíveis.
'...-binha de As-...'
A primeira veste a camiseta do segundo, caça sua calcinha (acha-a do outro lado do quarto); abre a porta aos trancos e sai.
Pancadas aflitas na porta do quarto ao lado.
'Escuta, tem alguma coisa acontecendo com o seu filho! Ele está asfixiando! (merda, merda!)'
O ressonar pára. Acende-se uma luz por debaixo da porta.
Um sussurro.
'Ai, caralho.'
Ouve-se um lento resfolegar no quarto ao lado - o terceiro ronca.
Um dos respirares acalma-se aos poucos. O outro suga, desesperado, cada vez mais ar.
'Tá tudo bem aí?' pergunta a primeira.
O segundo ofega, chia, angustia.
'Ei, o que houve?'
Ele tenta se sentar, arquejando pesadamente. A primeira se levanta rápida, desajeitada, acende a luz. O corpo nu na luz amarela, a pele sem pelo, os seios pequenos e arrepiados da primeira viagem, o olhar de pânico. O primeiro, do outro lado da cama, de silhueta magra e comprida (mal saída do estirão), convulsa, a arfar frases entrecortadas, ininteligíveis.
'...-binha de As-...'
A primeira veste a camiseta do segundo, caça sua calcinha (acha-a do outro lado do quarto); abre a porta aos trancos e sai.
Pancadas aflitas na porta do quarto ao lado.
'Escuta, tem alguma coisa acontecendo com o seu filho! Ele está asfixiando! (merda, merda!)'
O ressonar pára. Acende-se uma luz por debaixo da porta.
Um sussurro.
'Ai, caralho.'
Marcadores:
'Quem conta um conto...',
Imagen-ários,
Por mote
05 março 2011
kunderismos.
"É, agora eu via isso com clareza: a maioria das pessoas se entrega à miragem de uma dupla crença: acredita na perenidade da memória (dos homens, das coisas, dos atos, das nações) e na possibilidade de reparar (os atos, os erros, os pecados, as injustiças). Uma é tão falsa quanto a outra. A verdade se situa justamente no oposto: tudo será esquecido e nada será reparado. O papel da reparação (tanto pela vingança quanto pelo perdão) será representado pelo esquecimento. Ninguém irá reparar as injustiças cometidas, mas todas as injustiças serão esquecidas."
Marcadores:
De Outrens,
Trechos
03 março 2011
Alfama
Lei scendeva le scale in fretta, come se qualcosa la perseguisse, come se la pioggia non potesse più aspettare tra le nuvole grigie, come se i gradini fossero sparire, o forse come se quelle pietre fossero sciogliere sotto i suoi piedi.
Lei correva, e Portogallo singhiozzava.
Lei correva, e Portogallo singhiozzava.
Marcadores:
Devaneios,
Italianagens
27 fevereiro 2011
Un po' di notte.
A lua espreitava
vigiava
procurava por qualquer ato que pudesse denunciar seus ânimos.
Mas a frieza lisa das pedras do rio era pesada demais no chacoalhar suave das águas.
Eram impenetráveis;
imperscrutáveis.
17 fevereiro 2011
Não sei mais se o que me escorre é uma lágrima do céu ou um pingo de choro.
Marcadores:
Estalos,
little ones,
Paralelos
13 fevereiro 2011
Mote: Under the stairs.
Depois da morte de meu avô, mudei-me para sua casa. Neto de filha única, e desesperado para sair da casa de minha mãe, convenci-a de não vender o imóvel vazio e me mudei. O pretexto era ótimo – era mais próximo da universidade.
A entrada foi menos triunfal do que planejara. A casa caía aos pedaços, em seu mudo sofrimento – ou nem tão mudo assim. Fechaduras, maçanetas, dobradiças, piso, escada, tudo gemia dolorosamente se tirado do seu coma catatônico. A casa tinha artrite, como tivera meu avô.
As primeiras medidas foram as emergenciais; hidráulica e elétrica entraram nos eixos, e então o dinheiro acabou. As parcas finanças de um pós-graduando não eram suficientes, e o descontentamento de minha mãe com a situação constrangia-me a não pedir dinheiro. Resolvi reformar o resto por conta e risco – mas o resto podia esperar. Fazer uma lavagem cerebral nas lembranças da casa era urgente. Comecei pela sala, subi as escadas – quartos, banheiro –, desci as escadas – cozinha, despensa. Por fim sobrou o vão da escada.
Meu avô costumava passar muito tempo por lá, mas desde que passara a morar sozinho não deixara mais ninguém entrar. Lembro-me de sua fúria no dia em que roubei-lhe as chaves para explorar aquele recanto proibido, que instigava minha curiosidade. O estalo alto da fechadura acordou-o do sono sesteiro; seus safanões me prostraram no chão, e, bufando, ele arrancou-me as chaves e sumiu de vista. Alguns dias mais tarde, tentei abrir com grampos e clips, mas a vida não é tão simples quanto as ficções (televisivas ou literárias) insistem em nos demonstrar – aliás, sequer conheci alguém que tivesse conseguido abrir fechaduras desse jeito. Seja como for, depois de algumas tentativas desisti, e acabei arrajando alguma outra coisa para me ocupar.
Aquela chave nunca mais vi, nem mesmo na minha minuciosa varredura pela casa. Para não estragar a porta tentando arrombá-la, passei quentes horas de uma manhã encarrapitado em um banquinho bambo, tentando desparafusar a maçaneta; os parafusos enferrujados deram-me muito trabalho, mas por fim foram retirados. Cansado da tarefa e desejoso de estimular um pouco mais aquela réstia de curiosidade infantil, não abri a porta – dirigi-me à cozinha, onde abri uma cerveja e deitei-me no chão gasto de cerâmica, para esfriar o corpo. Ali fiquei estatelado, ouvindo o vento roçando coisas e tentando identificar o que seriam – o bochorno era insuportável, provavelmente choveria mais tarde. Adormeci.
Acordei com a chuva. Uma brisa fresca entrava pela janela e o som era manso. Levantei-me, comi qualquer porcaria e fui desvendar o vão da escada. Puxei a porta pelo buraco deixado pela maçaneta – estava emperrada. Puxei-a com mais força – ouvi um barulho seco de madeira sofrendo. Parei; o propósito daquela manhã fora não estragar a porta. Enfiei a mão pelo buraco novamente, tentando distribuir melhor a força em uma área maior – a madeira gemeu e abriu, com um solavanco.
Espiei. Não havia nada à vista, alguns rastros de passos, já meio escondidos por novas camadas de poeira e poucas caixas fechadas, empilhadas em um canto. Peguei-as – eram leves, estavam vazias.
Vazias. E cheias de pó.
A entrada foi menos triunfal do que planejara. A casa caía aos pedaços, em seu mudo sofrimento – ou nem tão mudo assim. Fechaduras, maçanetas, dobradiças, piso, escada, tudo gemia dolorosamente se tirado do seu coma catatônico. A casa tinha artrite, como tivera meu avô.
As primeiras medidas foram as emergenciais; hidráulica e elétrica entraram nos eixos, e então o dinheiro acabou. As parcas finanças de um pós-graduando não eram suficientes, e o descontentamento de minha mãe com a situação constrangia-me a não pedir dinheiro. Resolvi reformar o resto por conta e risco – mas o resto podia esperar. Fazer uma lavagem cerebral nas lembranças da casa era urgente. Comecei pela sala, subi as escadas – quartos, banheiro –, desci as escadas – cozinha, despensa. Por fim sobrou o vão da escada.
Meu avô costumava passar muito tempo por lá, mas desde que passara a morar sozinho não deixara mais ninguém entrar. Lembro-me de sua fúria no dia em que roubei-lhe as chaves para explorar aquele recanto proibido, que instigava minha curiosidade. O estalo alto da fechadura acordou-o do sono sesteiro; seus safanões me prostraram no chão, e, bufando, ele arrancou-me as chaves e sumiu de vista. Alguns dias mais tarde, tentei abrir com grampos e clips, mas a vida não é tão simples quanto as ficções (televisivas ou literárias) insistem em nos demonstrar – aliás, sequer conheci alguém que tivesse conseguido abrir fechaduras desse jeito. Seja como for, depois de algumas tentativas desisti, e acabei arrajando alguma outra coisa para me ocupar.
Aquela chave nunca mais vi, nem mesmo na minha minuciosa varredura pela casa. Para não estragar a porta tentando arrombá-la, passei quentes horas de uma manhã encarrapitado em um banquinho bambo, tentando desparafusar a maçaneta; os parafusos enferrujados deram-me muito trabalho, mas por fim foram retirados. Cansado da tarefa e desejoso de estimular um pouco mais aquela réstia de curiosidade infantil, não abri a porta – dirigi-me à cozinha, onde abri uma cerveja e deitei-me no chão gasto de cerâmica, para esfriar o corpo. Ali fiquei estatelado, ouvindo o vento roçando coisas e tentando identificar o que seriam – o bochorno era insuportável, provavelmente choveria mais tarde. Adormeci.
Acordei com a chuva. Uma brisa fresca entrava pela janela e o som era manso. Levantei-me, comi qualquer porcaria e fui desvendar o vão da escada. Puxei a porta pelo buraco deixado pela maçaneta – estava emperrada. Puxei-a com mais força – ouvi um barulho seco de madeira sofrendo. Parei; o propósito daquela manhã fora não estragar a porta. Enfiei a mão pelo buraco novamente, tentando distribuir melhor a força em uma área maior – a madeira gemeu e abriu, com um solavanco.
Espiei. Não havia nada à vista, alguns rastros de passos, já meio escondidos por novas camadas de poeira e poucas caixas fechadas, empilhadas em um canto. Peguei-as – eram leves, estavam vazias.
Vazias. E cheias de pó.
Marcadores:
'Quem conta um conto...',
Espremidos,
Por mote
09 fevereiro 2011
Gelsomino
Jasmim sempre foi minha flor favorita. Não qualquer um, é claro - mas aquele jasmim debruçado sobre a porta de entrada. O cheiro suave e penetrante, a flor simples, branca, sem rodeios, sem complicações.
Sentada na mureta, sob o jasmineiro, eu observava a noite fresca e sentia a brisa infilar-se cheia de singelos odores pela minha narina. A rua escura e esburacada escondia o vulto, cada vez mais difuso ladeira abaixo.
Ele se esvaía, mas o jasmineiro acolhia. Ternamente.
Sentada na mureta, sob o jasmineiro, eu observava a noite fresca e sentia a brisa infilar-se cheia de singelos odores pela minha narina. A rua escura e esburacada escondia o vulto, cada vez mais difuso ladeira abaixo.
Ele se esvaía, mas o jasmineiro acolhia. Ternamente.
Marcadores:
Devaneios
20 janeiro 2011
Heart-to-heart
I wish I could literally cry my heart out. Maybe, after swallowing, I'd feel things differently. Cold-heartedly would be a good solution... unless I could remain heartless. This certainly would be better - it wouldn't pressure my inside as if it were going to explode.
Marcadores:
Espremidos,
Estertores
09 janeiro 2011
Nonsense.
Alice bebia bosta cozida com caroços de damasco (dificílimos de engolir eram eles) enquanto espiava formas fumegando – a fogueira fustigava-as, fazendo-as fumaçarem gases gordurosos (galgavam o grotesco galpão, grudando e gotejando, hediondamente). Há horas Henrique, híspido e hesitante, helenizara o habitat, induzindo indivíduos, imaculados e iludidos, informarem a inteira impossibilidade (inclusive impondo joguetes júnicos), já jubilantemente jactada (jovens Josés jiboiaram, judicaram e jugaram longamente), de levar loucos e lúdicos livros, leigos às lôbregas lidas Licaânicas, aos lascivos libertinos.
Mesmo mordiscando merda modorrentamente, a menina mensurava as módicas modificações modeladas meio à moda megárica.
* Júnicos - relativos à Juno;
* Licaânicas - relativas à Licaão.
Mesmo mordiscando merda modorrentamente, a menina mensurava as módicas modificações modeladas meio à moda megárica.
* Júnicos - relativos à Juno;
* Licaânicas - relativas à Licaão.
Marcadores:
Bizarrices,
Espremidos,
Experiências