27 dezembro 2011

Um.

A noite é quente. Sente as costas suadas a empapar o pijama, o pijama a embeber o lençol. A cama? Sequer desfeita. O exaustor gira lenta e dolorosamente. O primo, duas camas ao lado, ressona. Os outros estão em paz. E ela ali, a suar feito garrafa fora do freezer.
Algumas ambulâncias passam. Funks correm pela avenida, também.
Passa a mão pela testa e enxuga no lençol. Vem então da janela escancarada um ruído estranho (som de lugar claro, de grandes prateleiras abarrotadas, de pessoas mal humoradas e crianças gritando e anúncios coloridos)... de carrinho de supermercado. Vem do estacionamento do prédio, o barulho de um carrinho, arrastado de um lado ao outro.
Baque-silêncio(breve, sem delongas)-movimento em fórmula cíclica, tal qual os gemidos do circulador de teto. Ela se levanta, curiosa. Se contorce até a janela, e nada vê além de um chinelo solto no meio do asfalto. Deixa o quarto, devagar para não tropeçar nos sapatos largados, cadeiras tortas e quadros imprevistos. Ela avança pelo breu, torce a chave com cuidado e sai pela porta da frente. Deixa-a destrancada. O sensor de movimento acende a luz e a cega. O elevador é sofridamente claro. Ela desce no estacionamento aberto. O céu tem o escuro desbotado das luzes da cidade. Está quente.
Há um homem empurrando o carrinho. Tem só um pé calçado, cabelos com fios prateados, entradas e uma expressão vazia. Ele vem em sua direção, sem parecer tê-la notado. Ela se desvia e ele passa com o carrinho, para bater numa parede. Baque-silêncio. Ele dá ré e ruma para outro lado. Movimento.
Baque-silêncio-movimento.
Ela o observa.

Nenhum comentário: