27 setembro 2009

Maschera (3)

__Era final de tarde; os pequenos explosivos caseiros atritavam dentro do saco plástico, as ruas estavam apinhadas de pessoas paradas, pessoas andando e pessoas correndo para o semáforo que fechava. Ninguém reparava no homem com sacolas de supermercado, no homem sem cicatrizes, de semblante tranquilo, mas animado (como se andasse a um piquenique). Foi desacelerando o passo conforme se aproximava de uma estação de transmissão elétrica. As torres de alta tensão zumbiam como besouros, altas e desafiadoras contra o céu anil. Incautas cercas separavam a estação da calçada, como o homem havia observado anteriormente. Com um ar distraído, ele foi andando, a recolher do interior da sacola pequenas bolotas do tamanho de nozes interligadas entre si. Ele fez um rolo com os explosivos, amarrou-os com o próprio fio, apertou um botão em uma das bolotas e os atirou através da cerca. Virou-se para correr, mas deu um bruto encontrão em um homem enorme e mal humorado, que grunhiu feito um animal e agarrou-o, rosnando algo que os ouvidos do homem não podiam compreender. Ele tentou desvencilhar-se, em vão; o brutamontes irritou-se mais e começou a rugir com ele; saliva se desprendia da sua boca e respingava no rosto sem cicatrizes. A animosidade das belas feições do homem – ou seria do arlequim? - foi cedendo espaço ao pânico crescente; quem sem demora logo pôs-se a segurar a sacola (com ainda algumas carreiras de explosivos) com mais força e brandiu-a contra o rosto de seu antagonista. Como o ansiado, o aperto afrouxou, o homem soltou-se e, a cambalear para trás, aproveitou a ocasião para atirar a sacola inteira pela cerca; em seguida atravessou a rua feito alucinado, o rosto lívido de desespero. Com um buzinar e um guincho furioso de freio, o homem foi atropelado e lançado longe. Ao encalço do carro veio a explosão.

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__O médico encarava o paciente adormecido, a franzir o cenho; olhava as queimaduras espalhadas pelo corpo, as costelas quebradas, o joelho esmigalhado com um quê de exasperação. Prosseguiam as investigações sobre o indivíduo, acusado de explodir e incendiar vários pontos da cidade nas semanas anteriores. Sua identificação estava em cima da escrivaninha, mas o homem não parecia se recordar dela – vejam só, respondia somente por “Arlecchino”! Todas as vezes em que acordara – segundo a enfermeira – indagava em voz esmorecida onde estava, e assombrava-se em não se encontrar em Veneza. Perguntava então de seus trajes e repetia o que afirmava ter sido seu último incêndio – em que pulara na água depois de explodir um ônibus-aquático, apinhado de gente. Dizia ter sido atropelado por um outro barco e perdera então os sentidos. Confessava tudo com um ar meio insensato. O neurologista ainda não viera checar o paciente, como observou o médico com irritação. Poderia ser traumatismo craniano – cogitou ele, perscrutando aquele rosto desfigurado mas comum mais de perto. Ou talvez só mais um esquizofrênico, como cansaram de anunciar os noticiários. O médico deu de ombros e passou para o próximo leito.

Um comentário:

Tuma disse...

Nossa, muito bom o texto... você só "entrega", por assim dizer, "a dele" no final. É um texto muito misterioso, cheio de elipses e subentendidos... mas tem muita força tb, muita melancolia.

Beijo