26 setembro 2009

Maschera

__Ela o chamara de vazio e oco enquanto chutava suas malas para fora do apartamento, em seguida fechara a porta; ele então permanecera com sua expressão impassível, fumando os cigarros baratos de menta e jogando as cinzas pela janela aberta. O apartamento ficara vazio, como ele. E agora, naquela chuva fina a empapar-lhe os cabelos, ele andava. Se abrigou embaixo de um toldo vermelho, meio velho, e dirigiu um olhar desinteressado para dentro da vidraça. Era um sebo. E dentro do sebo havia uma máscara.
__O sino da porta anunciou a sua saída meia hora depois. Debaixo de seu braço havia um saco plástico, com aquela máscara e um livro, já que o velho cismara de não vender a máscara à parte. A chuva convenientemente parara, e o homem se aventurou por entre as poças, a caminho do apartamento abandonado. Ao chegar pendurou-a logo acima do espelho rachado da sala. Ela observava de cima aquela vagueza de matéria e de espírito com uma expressão indiscernível. O homem a contemplou por algum tempo, imerso naquela fisionomia tão magnética; em seguida foi à cozinha, preparou um miojo e levou a panela para a sala. Sentou-se na poltrona – que gemeu dolorosamente – e apanhou o livro com a mão livre.
__A noite chegara e já começara a se dissipar com os primeiros raios de sol quando ele finalmente o colocou de lado. A imagem vívida do arlequim mantinha-se em sua mente – sua prática piromaníaca escondida pelos trajes, confeccionados por ele para tais ocasiões – entre pombos, gôndolas e águas venezianas, onde encontrara seu mísero fim, morto por um barco qualquer. Ele olhou-se no espelho, para a sua aparência apagada (os olhos inexpressivos, o rosto comum, a barba por fazer, o jeans manchado e a camisa amassada), tão semelhante a todos os outros que andavam pelo mundo; e acima do espelho estava a máscara, belíssima em sua androginia, atravessada por losangos coloridos. Ela parecia violentá-lo com aqueles olhos sem órbita de uma maneira tão impactante que o homem se pôs de pé e em poucos passos pegou-a nas mãos. Manuseou-a de um jeito automático e meio entorpecido, como se estivesse refletindo sobre um assunto muito sério. Em um dado momento a máscara escorregou de suas mãos, e no ímpeto de salvá-la da queda, o homem apanhou-a e encaixou-a no rosto. Em sua mão ela parecera menor, mas ao encarar-se no espelho percebeu que ela se adequava perfeitamente à sua face de um jeito quase surreal. Não parecia ela mais uma camada de seu rosto, aqueles traços – bem mais suaves que os seus – tinham se sobreposto ao seu rosto de uma forma tão sutil que ele parecia não ter coisa alguma em seu rosto exceto tinta; sem máscara, sem nada, só uma tinta carnavalesca sobre a pele.
__Estava devidamente fantasiado, pensou ele então, com um quê de divertimento. Flexionou as mãos gélidas como se estivesse a reexperimentar seu próprio corpo. Foi até a janela e escancarou-a, colocando a cabeça para fora a observar a rua. Pouca gente passava por ali, alguns ainda trôpegos de sono. O caminhão de lixo reciclável passaria em poucas horas, deixando à sua espera um amontoado de tralhas no beco ao lado de seu prédio. Um impulso o incendiou de tal forma que ele deixou a janela.

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