27 setembro 2009

Maschera (2)

__Com o sobretudo ligeiramente chamuscado nas mangas, ele saiu do beco, sentindo atrás de si um cheiro forte de plástico queimado. Embora tivesse tido dificuldades de atear fogo no lixo ainda molhado pela chuva, seu rosto exibia um sorriso satisfeito. O homem rumou para a padaria para tomar um café com leite; pelas poucas pessoas por quem passava, ninguém parecia dirigir um segundo olhar ao seu rosto pintado.
__Três horas mais tarde, via-se um homem de belas feições a fumar preguiçosamente em um dos bancos do parque municipal; com uma das mãos entretia-se com seu isqueiro. Uma criança corria esbaforida atrás de meia dúzia de pombos, que arrulhavam e se dispersavam em todas as direções; um deles pousou a pouco centímetros dos sapatos do homem, chamando sua atenção. Ele desviou o olhar hipnotizado do isqueiro para observar a ave. O colar furta-cor do pássaro reluziu sob o céu encoberto, e os olhos do homem faiscaram, ávidos.
__Em poucos momentos, o trecho do parque ficou vazio e o homem acocorou-se e pôs-se a atear fogo na cauda dos pombos com uma expressão de puro deleite no rosto; alguns deles de tanto contorcionismo tiveram suas asas em chamas e em pouco tempo se tornaram pequenas bolas de fogo cambaleantes.
__Tendo retornado ao apartamento, foi tomar um banho. Ao apanhar a gilete para fazer a barba – por força do hábito – percebeu, defronte ao espelho enevoado, que não tinha mais barba. Tampouco tinha os losangos coloridos desenhados no rosto; somente estavam lá os seus contornos, como que feitos à caneta. O formato da máscara, entretanto, mantinha-se lá, a suavizar seus traços, a torná-los andróginos.

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__Um homem estava sentado em uma lanchonete a assistir o noticiário. Ali exibiam a tentativa dos bombeiros de controlar chamas da explosão de um posto de gasolina, cuja causa ainda não havia sido esclarecida. Um sorriso sardônico se insinuava pelos lábios deste homem, que segurava a xícara com ambas as mãos, cobertas de queimaduras. Aberto embaixo do pires havia um mapa da cidade, repleto de anotações. Alguns poucos pontos estavam assinalados de vermelho, a maioria de preto; ele pegou uma caneta e pintou com capricho um deles, enegrecendo um sítio marcado de vermelho. No vidro bem polido da janela via-se o reflexo de seu rosto – belo como uma obra de Buonarrotti, mas com cicatrizes de algo que lembravam losangos; estas, todavia, pareciam afinar ininterruptamente, como se submergissem na pele a sumir de vista – em poucos instantes elas haviam desaparecido. O homem recolheu suas coisas e levantou-se para pagar a conta.

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